Ouvir o álbum “John Lennon/Plastic Ono Band”, o primeiro álbum solo do ex-Beatle, é praticamente uma audição imersiva. Pegamos o exemplo da música “Mother”, o que John Lennon vocifera é a expressão crua e emocionalmente carregada de sua experiência com a ausência parental. Uma canção confessional, intimista e autoavaliativa.
Esse álbum é fruto da experiência de John e Yoko com o pai da terapia primal, o psicólogo e psicoterapeuta americano Arthur Janov. Foi ele quem desenvolveu essa abordagem no final da década de 1960. Ele dizia que “Toda a dor de não ter sido amado quando criança fica no cérebro, nos músculos e nos ossos…”. Janov revelou em uma entrevista no ano 2000 que nunca tinha visto tanta dor em uma única pessoa como viu em Lennon.
O álbum, lançado em dezembro de 1970, foi produzido pelo polêmico, impetuoso e controverso Phil Spector, que assinou a produção do primeiro trabalho solo do ex-líder dos Beatles. Como tema central deste LP, o sentimento de abandono que Lennon sentiu desde a infância, quando foi separado de seus pais e criado por uma tia, Mimi.
A letra de “Mother” foi composta inicialmente como uma balada ao som de guitarra, mas só encontrou sua verdadeira identidade no arranjo final do piano. Já na introdução, ao som do badalar dos sinos fúnebres e assombrosos que, para ele, remetiam à solidão, ao medo e à morte.
“Ela é uma canção em que ele exterioriza a falta dos pais, fazendo-se valer de um arranjo onde ele usa o instrumental esparso, lúgubre e frio como uma casa abandonada, sendo essa melancólica música mais que perfeita para abrir esse álbum, traduzindo o que John gostaria de dizer. Afinal, seu canto se converte em gritos e o fato dele, semitona, desafinar não só não é um problema, como torna a canção muito mais verdadeira e real”, confidenciou o jornalista Ricardo Alexandre em seu podcast Discoteca Básica.
O desabafo direto e sincero, onde Lennon se dirige à sua mãe e ao seu pai, expressando a falta que sentiu deles e o impacto que isso teve em sua vida. A repetição das palavras “Goodbye” (adeus) após cada estrofe, onde ele fala sobre sua mãe e seu pai, sugere uma tentativa de encerrar um capítulo doloroso de sua vida, uma espécie de despedida emocional.
A música também serve como um aviso para as crianças não seguirem o mesmo caminho, indicando que as experiências de sua infância o levaram a “tentar correr antes de poder andar”, uma metáfora para os desafios e as decisões precipitadas que ele enfrentou mais tarde na vida.
O final da música, com as repetições desesperadas de “Mama, don’t go” e “Daddy, come home”, Lennon canta com uma fúria indisfarçável, refletindo o desejo eterno de uma criança pelo amor e atenção dos pais, mesmo quando adulto. Isso tudo dito de forma semitonada e desafinada propositadamente seria uma espécie de um menino em desespero pedindo a volta dos seus ao seu convívio: “Mãe, fique mais um pouco. Pai, volte para casa”.
A intensidade emocional da música é amplificada pela performance de Lennon, que é conhecida por sua honestidade e vulnerabilidade. “Mother” é um exemplo poderoso de como a música pode servir como um meio de processar e expressar sentimentos profundos e, muitas vezes, dolorosos. Expurgando a falta que seus pais lhe fizeram uma vida toda.
Ainda que já fosse um músico reconhecido mundialmente, bem-sucedido, ainda assim algo lhe deixará um enorme vazio. Os 5 minutos e 37 segundos de “Mother” têm uma carga emocional monumental, não porque eles venham embebidos em raiva e dor, e sim porque John é exposto e expõe todo seu lado visceral e racional, durante muito tempo racional.
O reclame de Lennon é o espelho para uma alma em conflito e desnudada. O álbum conta com mais 10 músicas e todas dialogam entre si, transitando entre a melancolia e a reflexão, já que todo o álbum é concebido depois das sessões primais e das leituras e do contato de Yoko Ono e John Lennon. Não é raro que, nas sessões de gravação, John chorasse compulsivamente no chão do estúdio.
Certamente podemos dizer que esse álbum foi a inspiração e foi fator decisivo para composições que David Gilmour e Roger Waters fizessem para o antológico álbum “The Dark Side Of The Moon” (1973) do Pink Floyd. É a partir deste álbum que outros artistas se rebelam e sentem mais à vontade para falar das suas dores, de suas emoções e das suas vidas pessoais, usando a música como ferramenta para aplacar, confidenciar ou afastar a própria dor.



