O novo documentário da HBO, “And So It Goes”, revela a trajetória de Billy Joel de forma direta e emocionalmente densa.
Com direção de Susan Lacy e Jessica Levin, eprodução de Tom Hanks, o filme vai além dos sucessos e das turnês. Em cinco horas divididas em dois episódios, a produção investiga as contradições de uma das figuras mais populares da música americana.
Ao reunir depoimentos de artistas como Bruce Springsteen, Paul McCartney, Sting e Nas, o filme propõe mais que um tributo. Ele revela as camadas psicológicas de um compositor que, mesmo idolatrado, sempre teve conflitos internos expostos.
O radialista Howard Stern, amigo pessoal do cantor, define com precisão o que torna o documentário relevante: “a história de Joel é mais profunda psicologicamente do que ele gostaria de admitir”.
A narrativa parte da juventude do cantor no subúrbio de Long Island, onde sofreu bullying e sentiu o abandono paterno.
Ainda adolescente, Joel participou da banda The Hassles e do projeto Atilla, de sonoridade pesada. O início turbulento incluiu um disco solo com masterização errada, “Cold Spring Harbor”, e contratos prejudiciais.
Refugiado em Los Angeles nos anos 1970, trabalhou em bares sob pseudônimo. Dali surgiria a autobiográfica “Piano Man”, que impulsionaria sua carreira nacional.
A partir do disco “The Stranger” (1977), Joel se tornaria um nome fixo nas paradas. Hits como “Just the Way You Are” e “Movin’ Out” consolidaram seu estilo entre o pop clássico e o rock radiofônico.
Paul McCartney revela no documentário que, sempre que perguntado qual a música que ele gostaria de ter escrito, ele cita, “Just The Way You Are”, quando fala que foi a primeira vez que realmente prestou atenção em Billy Joel.
O documentário, no entanto, não se contenta com os momentos de consagração. A figura que emerge é a de alguém constantemente à beira do colapso.
Joel passou por diversos acidentes de carro, enfrentou problemas com álcool e rompeu com colaboradores históricos.
A frase de um jornal nova-iorquino resume ironicamente essa fase: “Joel produz outro grande sucesso”, após mais uma colisão automobilística.
Além da autossabotagem, o longa destaca os conflitos com sua banda, o fim do casamento com Christie Brinkley e as disputas legais com ex-empresários.
Depoimentos da própria Brinkley e do baterista Liberty DeVitto mostram mágoas ainda não cicatrizadas.
“And So It Goes” explora ainda os traumas familiares de Joel. A ausência do pai e o alcoolismo da mãe marcaram sua juventude.
A história dos avós judeus, donos de uma fábrica ao lado de comícios nazistas em Nuremberg, acrescenta uma dimensão histórica.
Esses elementos ajudaram a moldar faixas como “Vienna”, presente no disco The Stranger, de 1977, composta após um reencontro desconfortável com o pai, anos depois da separação dos pais.
Joel também relata tentativas de suicídio antes da fama, registradas em biografias anteriores, mas aqui ganham novo peso emocional.
Apesar da habilidade melódica comparável à de Paul McCartney ou Elton John, Joel parou de compor músicas pop nos anos 1990.
No documentário, diz ter se libertado “da tirania da rima”, mas a decisão ainda soa enigmática, mesmo para seus colaboradores.
A música de Joel é fartamente presente no documentário, em registros originais e trechos de apresentações.
Mesmo canções onipresentes como “The Longest Time” ou “She’s Got a Way” surgem com novo significado, quando alinhadas à sua história pessoal.
Faixas menos lembradas, como “Say Goodbye to Hollywood”, ganham espaço e contexto.
A vida do cantor, contudo, parece tão presente quanto suas canções. A câmera o acompanha envelhecido, relembrando dramas, perdas e sua relação com o público.
Joel, agora com visual que remete ao pescador de “The Downeaster ‘Alexa’”, admite que ainda busca compreender a si mesmo.
Se por um lado sua história carrega momentos destrutivos, por outro, revela a complexidade de um artista que nunca quis ser modelo de comportamento.
“And So It Goes” mostra que, para além do “Piano Man”, há um homem que sobreviveu a ele mesmo — e continua escrevendo sua história, mesmo sem novas músicas.
A primeira parte do documentário de 5h já está disponível na HBO Max. A segunda parte estreia dia 25 de julho.