Do cancelamento ao culto: Black Metal ressurge em São Paulo com Dark Funeral

As portas do inferno estavam abertas — pelo menos em termos astrais — para a audiência que acabou se prejudicando com o cancelamento do agora defunto M.A.D. Productions, cujo festival levava o mesmo nome dessa entidade empresarial.

Apesar de intrigas judiciais e acusações — desde as mais justas até as imorais, que questionam a falta de noção do público —, a ticketeira Bilheto e a Mosh Productions conseguiram reunir forças para, ao menos, realizar um evento no mesmo dia em que se daria início ao festival original, com o Dark Funeral mantendo a posição de headliner, incluindo as nacionais Suicidal Nazareth, Luxúria de Lilith e Mystifier, além da polonesa Besatt como bandas de abertura para esse espetáculo mórbido e sombrio na VIP Station.

As bandas nacionais não fizeram feio. Todas mantiveram o profissionalismo no palco, com direito à participação especial de Beldaroh (Besatt) durante o show da Mystifier, para celebrar o legado da lendária banda mineira Sarcófago com o cover da faixa “Nightmare”, que se encontra no álbum “I.N.R.I” (1987), fazendo a alegria da horda presente em massa naquele dia, que, aos poucos, enchia a casa, mesmo sem atingir lotação máxima.

Foto: Mystifier. Crédito: Maurício Silva

Besatt entra no palco e entrega um show reto, brevemente comunicativo e direto ao ponto, com uma presença de palco exemplar por parte de seu vocalista e baixista Beldaroh, assim como as expressões faciais marcantes do guitarrista Colossus, mostrando resiliência no palco e saciando a vontade de presenciar o black metal clássico e cru em um momento perfeitamente propício.

Foto: Besatt. Crédito: Maurício Silva

É chegada a hora das trevas. Uma penumbra cai sobre a VIP Station; a névoa indicava a presença maligna de um sombrio funeral, sediado por senhores e condes terríveis que profanaram a casa com seus tenebrosos cânticos. Abrem com a faixa “Nosferatu”, do trabalho mais recente, “We Are the Apocalypse”, lançado em 2022, que agita o público em êxtase e mostra o melhor em palco do vocalista Heljarmadr (Andreas Vingbäck), que prende a plateia na atmosfera sem firulas excessivas.

Foto: Heljarmadr. Crédito: Maurício Silva.

Mesmo não tendo a mesma potência do trabalho irreconhecível de Emperor Magnus Caligula, Heljarmadr possui uma presença muito mais marcante, emanando sua imponência vampírica, que também dialoga com a temática do último trabalho — cujos adornos no palco representam o temível strigoi da cultura pop, Nosferatu. Parte do evento foi tanto uma celebração da discografia quanto da divulgação do último álbum, além da comemoração dos 30 anos do primeiro clássico EP “In the Sign of the Horns”, lançado em 1994 e remasterizado e regravado para uma edição comemorativa no ano anterior.

O público era o mais diverso possível — desde os mais jovens até os veteranos da velha guarda, que já testemunharam outros carnavais do grupo de black metal sueco, desde os clássicos lançamentos de outrora até a primeira de muitas vindas desses mestres das trevas no segundo Setembro Negro Festival (2003), sediado pela Tumba, em diante. O Dark Funeral possui aqui no Brasil uma legião fiel de fãs, o que justifica tantas passagens frequentes pelo país desde então. Mas foi de saltar aos olhos a apreciação dos presentes, também pelos últimos lançamentos. Muitos ali participaram ativamente, cantando em coro o single “Let the Devil In”, de natureza mais cadenciada e que ainda arrepia quem vos escreve esta resenha de cobertura — mesmo três anos após seu lançamento.

Se deleitar com a execução ao vivo de “My Dark Desires” e da faixa-título “In the Sign of the Horns” é uma experiência única. Aquele que nunca pôde presenciar a banda em vindas anteriores certamente se sentiu de espírito elevado pela majestosa habilidade e energia em palco dos membros, especialmente do líder e guitarrista Lord Ahriman, que, mesmo sob tratamento e após uma pausa devido a recorrentes cirurgias para lidar com uma hérnia abdominal, conseguiu manter a maestria e resiliência diante do caos generalizado dos últimos dias que antecederam a apresentação. Sua permanência foi essencial para mostrar ao público paulista as músicas desse nefasto funeral.

Foto: Lord Ahriman. Crédito Maurício Silva

Recentemente, mesmo com tantas polêmicas em que o gênero tem se envolvido — e com a própria exploração da mídia, a ponto de criarem e distorcerem narrativas em nome do engajamento —, o black metal tem conquistado cada vez mais espaço e reconhecimento, tanto por antigos quanto por novos seguidores, que ora enchem como lotam casas de shows, impressionantemente maiores, dependendo da atração. E esse também foi o caso da headliner presente, junto das bandas de abertura que ajudaram esse sábado infernal a se tornar uma grande e inesquecível realidade para o melhor. A divulgação é a melhor arma para o sucesso — mesmo que sua moral limitante não concorde com o fato.

Todos que se concentraram na região de Santo Amaro para testemunhar essa nova chance, no fim de semana do dia 8 de março, saíram satisfeitos e com um gosto de quero mais. Fica aqui a gratidão pelos envolvidos em fazer com que essa festa não se tornasse um “funeral” indesejável. Que, nas próximas turnês, os suecos do Dark Funeral possam novamente realizar nossos “desejos mais sombrios” com outra atmosférica apresentação — e que tragam um público ainda maior e devoto ao verdadeiro black metal.

Autor

  • Maurício Silva

    Maurício é um rapaz que cresceu com pais músicos e sempre com um ouvido aberto e atento, desde o mais clássico até mesmo o mais extremo. Fã declarado e incondicional de Sepultura, Emperor, Alice In Chains e Dimmu Borgir.

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