Marduk – São Paulo (2 De Novembro)

Maurício Silva
14 minutos de leitura
Morgan, Créditos: Maurício Silva

Depois de dois anos desde a última vinda, a lendária banda do Black Metal e da cena extrema sueca, Marduk, retorna ao Brasil e a América Latina para uma externa turnê de shows, totalizando doze datas para essa. É uma banda que, desde sua primeira vinda, ainda com o icônico Erik Legion nos vocais no ano de 2003, sempre faz datas datas extensivas em turnês latinas, tendo não apenas um carinho e prestígio, como uma fidelidade imensa pelos fãs nessa parte do continente das Américas.

Falar sobre o legado dos suecos é o mesmo que chover no molhado. Comandado pelo guitarrista Morgan (e único da formação original), a banda tem um vasto currículo de clássicos lançados, e uma seleção de músicos, principalmente vocalistas carismáticos que são de dar inveja a qualquer outra banda do gênero, faça a sua lição de casa! A formação atual é talvez a mais estável que esse grupo teve, mesmo depois da situação desagradável no show do Incineration Fest em Londres que resultou na demissão do ex-baixista Joel Lindholm, tendo Morgan, mencionado anteriormente, Mortuus, que ocupa a posição dos vocais desde 2004 com uma aura direta, agressiva e majestosa em cima do palco, Simon Schilling na bateria, e o baixista Simon Wizén, que ocupa a posição de membro ao vivo, apenas, no baixo há dois anos atrás.

Torches Of Nero (RS) ao vivo como banda de abertura; Créditos: Maurício Silva

A escolha da casa foi, ao mesmo tempo que interessante, um gerador de dúvidas, uma vez que da última vinda, os escandinavos haviam tocado uma casa bem maior em termos de capacidade, no caso, a VIP Station, que tem cedido inúmeros shows de metal em tempos recentes na capital paulista. Se trata da nova sede da lendária Manifesto, que atende o público rocker e headbanger já há décadas, tanto como um point de encontro, como também de comes e bebes, além de shows covers e autorais. Com um palco maior que a da casa original, o Marduk se apresenta pela segunda vez sob um estabelecimento em torno da marca, em um lugar que apresenta excelente dinâmica de iluminação e trabalho de mixagem de som, mas com alguns poréns organizacionais que serão mencionados mais tarde.

Os sulistas da Torches Of Nero abriram o evento as 2ohs, possuindo uma exótica teatralidade em cima do palco, desde o uso de máscaras e ornamentos, além de conseguirem manter uma aura atmosférica e agressiva que chama atenção, mesmo pela falta aplausos após o fim de cada música, da casa que já se encontrava um pouco cheia naquela hora de domingo. Com apenas dois EP’s de estúdio no currículo, a banda gaúcha possuí um som inspirado nos clássicos do gênero da velha guarda, como Venom, Hellhammer e Vulcano, tendo iniciado suas atividades em 2021 no entardecer da pandemia.

Torches Of Nero ao vivo, Créditos: Maurício Silva

Sejamos honestos em relação ao horário: considerando toda logística em torno da imensidão da capital, 18hs para a abertura da casa, com a primeira banda entrando as 20hs para a principal só chegar as 21h30 acaba sendo um inferno para o headbanger paulista, especialmente quando esse mesmo evento é marcado numa data de domingo, com direito à um longo expediente no dia seguinte para se cumprir. Afeta na atenção para a abertura, que mesmo se mantendo comunicativa, não recebia o prestígio ideal pela conjuntura gerar ansiedade em torno da atração principal, até em relação ao fim dessa por conta do horário do fechamento do metrô e o funcionamento de demais transportes, além dos preços.

O Panzer que é o Marduk chega com toda força obliterando o palco com o início das atividades performando o álbum Panzer Division Marduk (1999) na íntegra, ligando no 220 uma plateia que aguardava ansiosamente pela vinda dos suecos, lá pela segunda música, Baptism Of Fire, que realmente o público faz da vida imitar a arte com a abertura de um moshpit intenso que mostra o potencial agressivo e destruidor que apenas um show dessa lendária banda pode trazer.

Mortuus, agente do caos em fúria, Crédito: Maurício Silva

Não tinha como não manter o êxtase em torno da performance, estamos falando de um dos discos que foram não apenas porta de entrada para muitos a banda no final da década de noventa, como também trouxe o Black Metal à uma nova geração que, como podemos dizer, seria criticada por consumir uma nova empreitada do gênero que, largaria a vulnerabilidade e o aspecto introspectivo desse para se adaptar ao mercado norte americano com um estilo de composição que seria chamado “carinhosamente” pelos veteranos da cena de norsecore, categoria que esse disco, acabou entrando, infelizmente.

Marduk performando a auto intitulada do álbum Panzer Division Marduk, Créditos: Maurício Silva

Com o vocalista Mortuus, a dinâmica é certeira: dizendo apenas o necessário, de forma animada, uma figura imponente que se mostra o arauto da destruição acima do palco e deixando a sua figura ainda maior do que se vê fora dos shows. Seu carisma se dá pela energia que joga ao público, mesmo que dialogando de forma curta e rápida, algo comum na dinâmica de shows do gênero, já não se movendo pra lá e pra cá tanto como antigamente, e nem mesmo com os trejeitos de Erik Legion que também era um demônio extremamente ativo nas apresentações do grupo.

Morgan performando ao vivo com sua icônica ESP camuflada, Créditos: Maurício Silva

O set tocando o clássico foi bem rápido, afinal, estamos falando de um disco com apenas 29 minutos de duração, uma pancadaria cavernosa do início ao fim, troglodita de agressiva, sem espaços para interlúdios acústicos como amigos e colegas de cena geralmente faziam em seus álbuns na época. Não existe nada melhor do que a sensação de ver a blasfêmia ser proferida a força total em canções como Christaping Black Metal e Fistfucking God’s Planet. Caso queira menos e ir com calma na anti-religiosidade, meu amigo, nem em um show ou sequer um disco da Xuxa vou te recomendar como opção. Essa já foi considerada como serva de Satã por mentes mais criativas que giraram seus discos ao contrário, e seus ouvidos de porcelana não serão páreos a potência destrutiva criada pela rainha dos baixinhos.

Those Of The Unlight, Créditos: Maurício Silva

A banda volta com o início da segunda parte do show ao som de Those Of The Unlight do álbum que leva o mesmo nome da pedrada, lançado no ano de 1993. Abre as portas para outros clássicos que compõe a celebração de 35 anos de empreendimento com With Satan and Victorious Weapons, que tem como intro um clássico diálogo do filme Em Nome da Rosa, onde o ex-franciscano Remigio da Varagine, em julgamento, se diz inspirado pelo diabo em prol de seus atos, seguido de Shovel Beats Sceptre do lançamento mais recente, Memento Mori de 2023, que mostra um ritmo cadenciado e fantasmagórico para o público que aproveitava para recompor as energias.

Uma observação a se fazer é por uma breve discrepância na regulagem do som em músicas como a primeira da segunda parte da apresentação citada antes e a Slay The Nazarane, é pelo som do baixo ter perdido um tanto de potência. Diferença que foi sentida em um instante, porém, solucionada logo mais adiante. A faixa The Black, do debut Dark Endless (1992) entra como uma surpresa, não sendo tocada em todos os países da excursão latino americana, porém, aqui já se evidencia um público um tanto exausto, embora alguns mais desbravados em noite de domingo ainda estejam a puro vapor compondo as rodas.

Morgan com suas caras e bocas e Mortuus soltando o verbo, Créditos: Maurício Silva

O set encerra de vez com The Blonde Beast, um clássico moderno da banda, cadenciado e um tanto, dançante, parte do álbum Fronteschwein, de 2015, provando a relevância desses para novas audiências ao passar do tempo, uma vez que sempre é uma das mais pedidas a cada apresentação dos músicos. Entretanto, aqui são sentidas as consequências da péssima logística em torno do horário escolhido para o início das atividades. Após o fim da execução dessa, a banda simplesmente some. Não é atípico, saem de forma direta do palco toda “santa” vez, sem se despedir nem nada, como um exército, entra em escaramuça em um local e destrói tudo sem pedir licença ou se despedir, porém, sem o destaque que finalizava cada show dessa turnê com a inigualável Wolves, algo lamentável, principalmente por termos sido a única audiência que não teve a graça de ter 15 músicas no total do setlist.

É compreensível que antes, a banda era conhecida pelos seus shows curtos, de geralmente 55 minutos até 1 hora, porém, não consta tanto nos dias de hoje, com suas apresentações em cerca de 1h10 para um pouco mais onde são os headliners nas casas de shows ou festivais mundo afora. Aparentemente, alguns membros de outrora da cena paulista ainda estavam com essa imagem em mente e proferiam em conversas na casa absurdos como a banda não ter tocado o álbum Panzer na íntegra. Não sei que show esses frequentaram, mas posso garantir que não foi o mesmo que o meu, vai saber o que rola com a percepção do tempo dessa gente.

Mortuus, junto dos Simon’s, Wizén no baixo, e Schilling na bateria, Créditos: Maurício Silva

Percepção, era algo que faltou em termos de realidade para a logística de entrada e saída da casa, pois não há como em um evento desse porte em que a banda é internacional, ou seja alguma nacional de alto prestígio, também, de manter o esquema de comandas, resultando numa fila inconveniente e imensa na hora da saída. Não seria melhor então simplesmente mudar a forma do sistema de pagamento, em associação a produção na forma de como vão resolver as questões do arrecadamento no local?

Mortuus observando o campo de batalha ao lado de Morgan, Créditos: Maurício Silva

Fora isso, apesar de todos os pesares, tivemos uma apresentação direta, simples e que lava a alma de todo headbanger que precisa saciar de um bom momento em energia, com hinos de guerra que cresceu ouvindo de forma devota por grande parte de sua vida. Porém, vamos ser sinceros em relação a localização novamente, será que um show de domingo na Vila Olímpia, numa era em que sequer os horários de funcionamento dos transportes foram atualizados aos de outrora antes da pandemia, é a melhor das opções, especialmente quando em parte, não tinha a presença de um vagal sequer presente na audiência que não fosse enfrentar uma longa jornada de trabalho no dia seguinte? E será que também show apenas em São Paulo pode se categorizar como uma turnê brasileira, dada a nossa imensidão?

É de esperar que na próxima investida do Front, o Marduk possa conquistar outros Estados e capitais além de simplesmente essa centralização estúpida e injusta que é São Paulo, e que tem se repetido em todo cenário do circuito de shows ao longo desses últimos anos. Um desrespeito ao público consumidor de música nacional, em um ato que visa apenas um perfil gourmetizado do público atual. Que venha o próximo batismo de fogo a ser realizado novamente pelos suecos!

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