Mortiis e Nytt Land mostram shows de resiliência com a melhor experiência folk

O dia seis de fevereiro prometia ser especial! Mesmo com a expectativa de um público seletivamente menor para o porte dessas atrações, a Chamuco Prod, em parceria com a Xaninho Produções, conseguiram trazer sem mais delongas uma das maiores lendas não apenas dos primórdios do black metal norueguês, mas também a grande referência do dungeon synth dos anos 90 e ícone do metal industrial e synth pop dos anos 2000: Mortiis (Håvard Ellefsen). Juntamente com os siberianos do Nytt Land, que estavam em turnê pela América Latina durante aquela semana, eles realizaram o primeiro show de suas carreiras no Brasil. Vale destacar que Mortiis já havia perdido a oportunidade de tocar por aqui na turnê anterior (novembro de 2018).

A abertura da casa estava prevista para as 19h, e o horário foi cumprido com pontualidade. No entanto, essa seria a última coisa positiva do dia, sem interferências externas causadas por fatores naturais ou pela incompetência da gestão atual da prefeitura e do governo do estado. Uma hora antes do previsto para o início da apresentação do Nytt Land, banda de abertura, o público foi “bem recebido” com um apagão provocado pela chuva, que, embora já desse sinais de sua chegada na entrada, acabou afetando diretamente o evento. Infelizmente, isso resultou no atraso do espetáculo.

Muitos ali foram impactados negativamente, seja pelo cansaço extremo, irritabilidade ou até mesmo pela necessidade de deixar o local mais cedo por questões logísticas. Considerando que era um show realizado em um dia de semana — quinta-feira —, não é fácil para ninguém conciliar a labuta diária com esses momentos tão aguardados. Nesse cenário, o estresse visível dos membros do Nytt Land, que perambulavam pela casa já trajados para a performance no palco, demonstrava frustração e agitação. Viajaram do outro lado do mundo para enfrentar esse tipo de contratempo. A produção, no entanto, mostrou respeito e atitude ao alugar, de última hora, um gerador que possibilitasse a continuidade do espetáculo. Afinal, não havia como adiar, já que no dia seguinte eles estariam em Bogotá (Colômbia). Sem pestanejar, o show precisava continuar.

O SHOW TEM DE CONTINUAR. Mesmo com a queda de energia e seus desdobramentos, o Nytt Land e Mortiis se preparavam, após horas de atraso, para trazer o melhor da apresentação folclórica e ambiental daquela noite. Curioso notar que, durante o apagão, luzes mínimas iluminavam a casa, incluindo velas espalhadas pelo recinto. Em conversa descontraída com um membro da plateia, ele brincou: “É pra preparar o povo pra temática”. Nada mais justo, certo?

Finalmente, o Nytt Land subiu ao palco com seu som folk e ambiente, trazendo o melhor das tradições indo-eslavas. Contudo, logo no início da apresentação, outro problema técnico surgiu: menos de um minuto depois de iniciarem, houve falha na energia, o que irritou Anatoly Pakhalenko, que chamou a atenção da produção para reajustar a energia necessária para o laptop que controlava os efeitos sonoros. Mesmo após a volta da energia, o clima continuava tenso. Anatoly exigiu, quase ferozmente, que liberassem a fumaça no palco para manter o ambiente adequado à proposta performática, algo que, infelizmente, já havia sido prejudicado pelos problemas técnicos — os quais, vale lembrar, não foram culpa nem da banda nem da produção técnica, que já estava com os nervos à flor da pele.

Foto Nytt Land. Crédito: Maurício Silva

Mesmo em meio à frustração, Anatoly e sua esposa Natalya Pakhalenko, que demonstrava leveza e certa serenidade na situação, junto ao percursionista/baterista Sergey Silitcky, deram uma lição de resiliência e diversidade musical. Do canto gutural (comum na Mongólia) ao uso de harpa judaica, tambores e outros instrumentos analógicos pouco convencionais em apresentações onde a guitarra elétrica costuma dominar, eles provaram que a música transcende barreiras.

Após o “batismo de fogo” dos siberianos, era a vez do duende vindo das profundezas do abismo medieval escandinavo dar as caras. Mortiis estava ali para celebrar os 30 anos de lançamento de seu primeiríssimo trabalho de estúdio em carreira solo, iniciada em 1994, um ano após sua saída como baixista do Emperor. O álbum Født til å Herske (parte do que chamamos de Era 1 na carreira), foi executado na íntegra — direto e sem enrolação!

A chegada de Mortiis, já caracterizado com vestimentas, látex e maquiagem que cobriam seu rosto para dar vida ao personagem criado há mais de 30 anos, fez o som ambiente e épico do gênero dungeon synth estremecer as paredes da casa. Ele prendeu a imaginação de todo o público presente, cercado por backdrops que evocavam tempos e histórias medievais. Demonstrando versatilidade e calma, o músico manteve a postura tranquila, mesmo diante do caos causado pelo apagão. Essa serenidade é esperada de alguém com mais de três décadas de carreira, que completará 50 anos em julho deste ano. Mas, mesmo que o contrário fosse verdade, não seria demérito algum.

Após o fim do que poderíamos chamar de “lado A”, o músico agradeceu levantando as mãos, sendo recebido por aplausos calorosos. Sem declarações que pudessem quebrar a imersão, ele seguiu para o “lado B” do trabalho trintão, finalmente introduzindo a tão aguardada passagem vocal. Com efeitos que davam o ar necessário ao clima épico, ele surpreendeu até os curiosos sobre seu trabalho. O show terminou logo após o encerramento do álbum, totalizando cerca de 55 minutos (considerando que o álbum tem 53 minutos de duração, mais a pausa de transição e a entrada/saída do artista do palco).

Foto: Mortiis. Crédito: Maurício Silva

Håvard demonstrou extrema simpatia ao receber todos os fãs presentes, sem pressa e com conversas agradáveis. Sorria quando necessário, olhava nos olhos e atendia a todos com respeito e carinho. Seu espírito underground, desde os tempos em que escrevia zines na adolescência na Noruega, ainda estava presente em suas atitudes. O mesmo pode ser dito dos siberianos, que enfrentaram o “maremoto” causado pelos problemas técnicos com maestria. Eles estavam lá horas antes da abertura da House Of Legends, mesmo que timidamente, para receber os fãs com hospitalidade eslava.

Foi uma noite cheia de problemas, mas que valeu muito a pena. Amizades foram feitas entre o público, e o merchandising, embora caro (cerca de 100 reais por item), foi adquirido por muitos. Camisetas, vinis, CDs, patches e adesivos foram vendidos rapidamente. Infelizmente, os preços altos são reflexo do dólar elevado e da necessidade de evitar prejuízos, especialmente considerando o baixo público e o custo de alugar um gerador enorme, visível do lado de fora do estabelecimento, enquanto a região de Pinheiros permanecia às escuras… para expandir a temática, não?

“Espere a minha chegada à primeira luz do quinto dia. No alvorecer, olhe para o leste. […]
Um mago nunca está atrasado ou adiantado; ele aparece quando pretende chegar.”
— Gandalf, o Cinzento/Branco

Autor

  • Maurício Silva

    Maurício é um rapaz que cresceu com pais músicos e sempre com um ouvido aberto e atento, desde o mais clássico até mesmo o mais extremo. Fã declarado e incondicional de Sepultura, Emperor, Alice In Chains e Dimmu Borgir.

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