Em uma segunda-feira de clima indeciso — entre o frio e um calor tímido —, Porto Alegre recebeu um sinal de mudança sonora. A cidade, que por muitos anos acolheu as vivências musicais do ex-efervescente( da banda “Os Efervescentes”) /Cachorro Grande Rodolfo Krieger, viu o retorno do músico agora rebatizado como Rod Krieger. A mudança no nome, como ele mesmo explica, visa facilitar a pronúncia para o público português, país onde residiu nos últimos anos após sua saída da Cachorro Grande.
Rod se estabeleceu em Sobral do Parelhão, um pequeno vilarejo arborizado e isolado de Portugal, habitado em sua maioria por idosos. Foi nesse cenário bucólico que ele produziu, em total reclusão criativa, seu segundo álbum solo: “Assembleia Extraordinária” — um trabalho concebido entre instrumentos analógicos e texturas eletrônicas.
De volta ao Brasil, Rod está em turnê de divulgação do novo disco, que também ganhará uma versão em vinil e um filme dirigido pelo próprio artista, traduzindo cinematograficamente o conceito e o processo de criação do álbum.
O show em Porto Alegre aconteceu no sagrado palco do Teatro Túlio Piva, sob a curadoria da Opinião Produtora e produção da Rei Magro Produções. Antes de Rod, o público foi aquecido pela banda Recreio, que subiu ao palco por volta das 20h. Com influências de britpop, rock sessentista, Los Hermanos e The Magic Numbers, a banda apresentou um repertório sensível e competente, preparando o terreno com simpatia e lirismo.
Pouco depois das 21h, Rod Krieger subiu ao palco ao lado de um power trio de peso: Marcelo Callado (Caetano Veloso”gravou bateria no grande álbum ‘Cê’ de 2006″, Orquestra Imperial) na bateria e Paulo Emmery (Beach Combers, Jards Macalé) no baixo. O repertório trouxe faixas de seu novo trabalho, como “O Fluxo das Coisas”, além de músicas do disco de estreia, “A Elasticidade do Tempo” (2020) — ambos lançados pelo selo independente Café8 Music.
O espetáculo faz parte do projeto “Segunda Maluca”, que propõe democratizar o acesso à música em dias e preços alternativos, fomentando a cena cultural da capital gaúcha.
O trio subverteu as versões de estúdio com arranjos mais crus e enérgicos, levando o som eletrônico do álbum para uma atmosfera roqueira, orgânica e intensa. Rod já havia antecipado que, nos palcos, queria dar nova vida às canções, aproximando-as de influências como Bob Dylan, Hendrix, Arnaldo Baptista, Chemical Brothers, Prodigy e Depeche Mode — e isso ficou claro na performance visceral da noite.
Com cerca de 50 pessoas no teatro, a apresentação foi um verdadeiro ritual para iniciados. Rod tocou com a alma, explorando timbres distorcidos, mas com parcimônia nos efeitos. O show não girou apenas em torno dele: Callado e Emmery brilharam com liberdade, promovendo momentos de jam sessions que evocaram clássicos como Cream e Deep Purple — inclusive em uma surpreendente versão de “Cabelos Longos”, do disco Molhado de Suor (1974), de Alceu Valença, redescoberto por Rod durante a pandemia, este, presente no “Assembléia”, em versão folk, com video clipe, lançado pelo próprio cantor, em seu canal no youtube.
Em clima quase intimista, o músico interagiu com o público, demonstrando gratidão pela trajetória com a Cachorro Grande, mas deixando claro que sua caminhada agora é outra. E o mais curioso: ninguém pediu músicas da antiga banda — um reflexo da relevância de sua carreira solo e da força de seu novo repertório, que já o conecta com músicos e plateias em Portugal e outros pontos da Europa.
No bis, o trio presenteou os presentes com uma versão incendiária de “Arnold Layne”, primeiro single do Pink Floyd — outra influência notável de Krieger. A execução, em tom “Creamiano/Hendrixiano”, encerrou uma noite curta, porém inesquecível.
Ficou um gosto de quero mais. O brilho nos olhos de Rod, a entrega de sua banda e o poder de suas novas composições mostram que ele não está voltando ao passado, mas sim abrindo novas trilhas com os dois pés firmes em sua caminhada solo. Se a “assembleia extraordinária” é um convite, o público que aceitar estará diante de um artista em pleno renascimento.





Fotos: Cássio Toledo