Falar da história do punk rock brasileiro – e por que não mundial? – sem mencionar a banda Ratos de Porão é como separar o rock dos Beatles. Eles moldaram não só uma cena musical, não apenas nos anos 80, mas até os dias atuais. Criaram toda uma expressão musical e social através de suas posturas nas letras, atitudes e apresentações, representados por diversos álbuns que sempre traduziram seus pensamentos sobre o mundo ao redor.
De forma direta, sem rodeios, suas músicas atingem nossas mentes, nos fazendo pensar e olhar de outro ângulo, algo que, muitas vezes, os meios atuais não permitem refletir sobre os fatos sociais que ocorrem no nosso dia a dia.
Tudo na vida tem seu preço, ação e reação. Ratos de Porão paga um preço caro por fazer uma música sem direcionamento comercial, que não atende aos anseios do mercado fonográfico, que sempre tenta rodear o artista para mudar sua essência artística e musical.
A reação disso é ser uma banda sem o devido reconhecimento popular pelo trabalho leal que realizam com competência há anos, focando em um público muito seleto, que infelizmente só valorizará plenamente a banda quando ela acabar ou algum dos integrantes partir deste mundo.
Entretanto, esse público seleto mantém a chama acesa nas almas inquietas dos quatro veteranos desta banda paulistana, que não se entrega, mesmo após tantas incertezas físicas nos últimos tempos, resultado do avanço da idade e dos desafios constantes que o vocalista, João Gordo, enfrentou, cuidando de problemas de saúde.
O dia do show
Todas essas intempéries da vida vão por água abaixo quando se tem a oportunidade de presenciar um show ao vivo, de perto, em um local alternativo, com uma galera quente e intensa. Essa é a essência dos shows do Ratos de Porão, que, assim como seus fãs no Brasil e no mundo, seguem fiéis, comprando discos, ouvindo os álbuns e compartilhando com novas gerações, não permitindo que o tempo apague a qualidade e representatividade que a banda construiu em seus quase 40 anos de estrada.
Nada melhor para uma noite agradável de sábado, 31 de agosto, em um dos principais palcos alternativos da música brasileira, o Bar Opinião, do que presenciar o show do Ratos, em uma casa abarrotada de punks, variando dos 15 aos 60 e poucos anos. Uma conexão de gerações que foi um prazer de ver, mostrando que a banda, ao seguir fiel ao seu som, consegue renovar seu público ao longo do tempo.
A noite de festa punk, como diz o clássico dos Os Replicantes, começou por volta das 19h30, com o show de abertura da banda gaúcha Código Penal, de Sapucaia do Sul, região metropolitana de Porto Alegre. Eles esquentaram o público, que aos poucos tomava conta da pista.
Os músicos trazem um crossover intenso que mistura rap e hardcore, e têm se destacado na cena musical, tanto com o público quanto com a crítica. Abriram o show com a música Terra de Ninguém, rapidamente conquistando a atenção da galera, que foi preenchendo a casa e ouvindo atentamente o som da banda.
Assim como o Ratos de Porão, o Código Penal traduz em suas canções letras impactantes, criticando injustiças sociais, o capitalismo e o racismo. Representado por dois performers, Black to Face e Lucio Agace, os vocais têm uma pegada dinâmica de rap, enquanto o baixo de Luciano Tatu adiciona bastante groove às músicas.
A bateria coesa e precisa de Cesar Pereba também é um ponto forte, e as guitarras de Marcio Zuza e Eduardo Jack complementam o som com riffs poderosos e distorções marcantes. Entre as músicas do setlist que se destacaram estão Marginalizado, Chove Bala e Uzi Além da Imaginação. No final, o Código Penal fez uma apresentação de peso e competência, abrindo a noite com grande estilo e, com essa performance, conquistou novos fãs.
O caos tomou conta por completo
Os Ratos de Porão chegaram com tudo, sem cerimônias, e a galera já ficou a mil! Logo de cara, todo mundo começou a cantar junto o hino Alerta Antifascista. Tinha gente subindo no palco, jogando cerveja para todos os lados, um clima bem insano.
Os clássicos antigos marcaram presença logo no começo, com o trio Amazônia Nunca Mais, Farsa Nacionalista e Lei do Silêncio, todas do lendário álbum Brasil (1989). João Gordo, como sempre, aproveitou para mandar seu recado, descendo o verbo em Elon Musk e Bolsonaro.
Teve até um momento pesado em que João Gordo relembrou a história de Carlos Alberto Pinto de Oliveira, que em 1994 matou os próprios pais em Porto Alegre. A história veio à tona porque, na época, disseram que o assassino teria se inspirado na música Herança que a banda também tocou no show. Para quem conhece a letra, é fácil perceber as semelhanças bizarras com o que aconteceu no crime.
Clássicos que não podiam ficar de fora
Espiritualmente, o show foi pura destruição! Eles mandaram ver com sons pesadíssimos dos álbuns Anarkophobia (1991), como as pedradas Morte Ao Rei e Igreja Universal, além de hits do lendário Crucificados Pelo Sistema (1984), como a faixa-título e Morrer.
A banda estava afiada demais! Juninho no baixo dominou o palco, com uma energia insana e uns pulos gigantes. Jão, mais contido, soltou uma brutalidade nas cordas da guitarra que fez a galera pirar. Na bateria, Boka quebrou tudo, sem dó nem descanso. E João Gordo, como sempre, com seu vocal rasgado e acelerado, entregou o caos que todos esperavam.
O único porém foi que o show passou voando! Em cerca de uma hora, o Ratos de Porão encerrou a noite. Mas, claro, não saíram sem tocar as clássicas Aids, Pop, Repressão e Beber Até Morrer, que botaram a galera para pular até o chão. Foi um show explosivo, com toda a insanidade que se esperava! Os mais de 40 anos de carreira de uma das maiores bandas de punk rock de todos os tempos mostraram a força de seu imenso legado.
O show foi realizado e organizado com competência pela Ablaze Productions.
Deixe um comentário