A jornada de qualquer artista na indústria musical é pavimentada com desafios, mas poucos enfrentaram uma escalada tão íngreme quanto Tina Turner em seu retorno. Para ela, a tarefa de reconquistar o mundo da música exigia uma força que parecia vir de outro plano, uma resiliência quase sobre-humana para superar as adversidades que se acumulavam em seu caminho.
A história de Tina, contudo, não precisa se deter nos capítulos mais sombrios de seu passado com Ike Turner. Basta reconhecer que Ike era uma figura detestável nos bastidores, e a decisão de Tina de se libertar daquele casamento foi um ato de coragem monumental, talvez um dos mais audaciosos já vistos na trajetória de um artista. A partir daquele ponto, o desafio era forjar um caminho solo, criando um trabalho que a estabelecesse como uma superestrela por seu próprio mérito.
Ela era, afinal, a voz por trás de tantas canções memoráveis, mas a transição para a carreira solo não foi instantânea. Tina se viu navegando em uma era dominada pela discoteca, um gênero que, embora vibrante, não se alinhava completamente com sua essência. Apesar de sua capacidade inegável de dominar o palco com sua dança e presença, seu estilo cru e poderoso não se encaixava na mesma categoria de artistas como Donna Summer. Ela desejava chocar o público, e para isso, precisava do apoio das pessoas certas.
Enquanto grande parte da indústria musical parecia tê-la esquecido, os músicos, no entanto, reconheciam o calibre de seu talento. Rod Stewart, em um gesto de respeito, a convidou para dividir o palco em seu próprio retorno. Sua capacidade de se destacar ao lado de Mick Jagger, durante as performances com os Rolling Stones, serviu como uma demonstração clara de que ela, de fato, ensinou ao vocalista muito do que ele sabia sobre a arte de se mover no palco.
Essas aparições foram cruciais para sua imagem pública, mas, ao começar a criar suas próprias músicas, Tina enfrentou a incerteza sobre qual material lançar primeiro. Uma versão de “Let’s Stay Together”, de Al Green, era uma aposta segura, um aceno ao seu passado de intérprete. No entanto, quando lhe foi apresentada a canção que a projetaria de volta ao estrelato, “What’s Love Got to Do With It”, Tina hesitou. A música não tinha nada de errado, mas a “Rainha do Rock and Roll” sentia que aquela melodia não era para ela.
A concepção original da faixa pedia uma interpretação mais suave, delicada. Mas a aversão inicial de Turner à melodia, e sua voz naturalmente impetuosa, acabaram por ser exatamente o que a canção precisava para ganhar vida. Ela não havia construído sua carreira cantando baladas gentis, e sua reinterpretação da música soou como uma releitura de “Proud Mary” para uma nova geração, infundida com sua energia inconfundível.
Os sintetizadores na produção, que podem soar datados para alguns ouvidos, encaixam-se perfeitamente no contexto da época. Tina já era uma estrela muito antes da era da MTV, que abriu as portas para figuras como Madonna. Contudo, Turner demonstrou a todos os novatos como um verdadeiro profissional se comportava diante do microfone, com uma performance que transcendeu as tendências.
A verdadeira mensagem por trás de “What’s Love Got to Do With It” ia além da qualidade da composição, da performance vocal ou mesmo do contexto de seu passado traumático. Era Tina Turner, de volta ao palco, após anos afastada dos holofotes, forçando sua entrada nas paradas de sucesso novamente. Para aqueles que acreditam em um limite de tempo para o rock and roll, Turner provou que era mais potente e vibrante aos quarenta anos do que a maioria dos vocalistas jamais sonharia ser aos vinte. Seu retorno não foi apenas um sucesso comercial; foi uma declaração de força e perseverança.