Lançada em 1966 pela gravadora Motown, “Reach Out (I’ll Be There)” se tornou um dos maiores sucessos dos Four Tops.
A música marcou uma nova fase do soul pop americano, com uma abordagem vocal intensa e arranjo ousado para o gênero na época.
O que poucos sabiam é que a canção foi, em parte, inspirada no estilo de Bob Dylan — nome em ascensão naquele mesmo período (via Far Out). A influência foi confirmada anos depois por Lamont Dozier, um dos responsáveis pela composição e produção do single.
Durante entrevista em 2013, Dozier explicou que ele e os irmãos Eddie e Brian Holland ouviam muito Bob Dylan em meados de 1966. Segundo ele, o estilo “quase falado” de Dylan em músicas como “Like a Rolling Stone” serviu de base para a construção de “Reach Out”.
“Dylan era o poeta daquela época”, disse Dozier ao site NME. “Fomos inspirados por seu estilo de cantar os versos de forma falada.” A intenção era que Levi Stubbs, vocalista dos Four Tops, canalizasse essa abordagem ao interpretar a nova composição do trio.
A performance de Stubbs em “Reach Out” se destaca pela entrega dramática, quase desesperada, diferente do soul romântico da época. Dozier explicou que eles queriam ir além do sentimento de afeto. O objetivo era explorar o clamor, a urgência e o abandono emocional.
“Queríamos que Levi cantasse aquilo como se estivesse suplicando, como se estivesse falando e gritando ao mesmo tempo”, disse. Essa interpretação trouxe uma dimensão emocional mais crua, rompendo com o padrão suave da maioria dos sucessos anteriores da Motown.
Naquele momento, Bob Dylan havia lançado “Bringing It All Back Home”, “Highway 61 Revisited” e “Blonde on Blonde”. Sua presença era dominante, especialmente após trocar o violão acústico pela guitarra elétrica, gerando reações por todo o meio musical.
Mesmo distante do soul e do rhythm and blues, seu uso das palavras, dos climas e da tensão vocal influenciava além do folk e do rock. Dozier admite que esse contexto os tocou diretamente. “Admirávamos a complexidade das letras de Dylan e sua maneira de cantá-las.”
Com arranjos assinados por Paul Riser e produção detalhada em estúdio, “Reach Out” também se beneficiou da precisão da banda The Funk Brothers. O single alcançou o topo das paradas nos Estados Unidos e no Reino Unido, tornando-se referência para outros artistas da gravadora.
Mais do que um sucesso comercial, foi uma mudança estética que permitiu à Motown abordar temas e sentimentos com maior densidade. A conexão inesperada com Bob Dylan ajudou a abrir caminhos, mesmo sem que ele jamais tenha pisado nos estúdios da gravadora.
A admiração da Motown por Dylan mostra como o intercâmbio entre gêneros era frequente, mesmo quando parecia improvável. Em vez de barreiras rígidas, os anos 1960 se caracterizaram por encontros criativos entre artistas de mundos distintos.
Se Dylan expandia as possibilidades líricas do rock, a Motown respondia com músicas que exploravam emoções de forma mais visceral.
“Reach Out (I’ll Be There)” sintetiza esse diálogo. Não apenas entre dois artistas, mas entre dois modos de entender a canção popular.