Poucas bandas possuem estilo difícil de classificar como o The Cardiacs, cuja trajetória começou em 1977 e misturavam elementos de psych, rock progressivo, punk e até teatro. Essa diatribe sonora acaba de lançar o livro “Cardiacs: A Big Book and a Band and the Whole World “e o anúncio do álbum póstumo “LSD” reacendem as luzes sobre esse grupo que desafiou convenções e criou sua própria narrativa.
Os Cardiacs surgiram em Kingston Upon Thames, na Inglaterra, o punk rock dominava as rádios, mas Tim Smith, líder da banda, tinha algo diferente em mente. A intersecção dos elementos citados conferia a banda uma sonoridade que não se encaixava nos padrões da época. O primeiro single, lançado em 1979 sob o nome “Cardiac Arrest”, já mostrava que eles não estavam ali para seguir regras.
“Tim era um visionário”, diz Jim Smith, irmão de Tim e baixista da banda em entrevista para o site The Quietus. “Ele não queria ser como todo mundo”. Essa postura fez com que os Cardiacs fossem ignorados pela grande mídia musical, mas também os transformou em um culto fervoroso. Mike Patton, vocalista do Faith No More, e outros artistas renomados citaram os Cardiacs como inspiração.
A história dos Cardiacs sofreu uma reviravolta em 2008, quando Tim Smith adoeceu gravemente. Isso forçou a banda a interromper suas atividades, mas não apagou seu impacto. Após a morte de Tim em 2020, Jim Smith assumiu a responsabilidade de preservar o trabalho do irmão. “Eu me tornei meu próprio algoz”, ele reflete. “Trabalhar no álbum ‘LSD’ foi um verdadeiro desafio, mas também uma declaração de amor”.
O processo envolveu reconstruir o estúdio onde Tim trabalhava. “Tudo estava parado havia quinze anos”, explica Jim. “Nada funcionava. Tivemos que começar do zero”. A dedicação resultou em um álbum que flutua entre diferentes fases da banda, conectando álbuns como “Sing to God” e “Guns”. “Tem pedaços de tudo o que fizemos juntos”, diz Jim, orgulhoso do resultado.
O livro “Cardiacs: A Big Book and a Band and the Whole World”, lançado em janeiro de 2025, é muito mais do que um registro fotográfico. Com curadoria externa liderada por Aaron Tanner, da Melodic Virtue, o projeto traz depoimentos de músicos como Mike Patton, J.G. Thirlwell e Shane Embury, do Napalm Death. “Foi emocionante ver as reações das pessoas ao material”, comenta Jim. “Não esperávamos que fosse tão tocante”.
Entre as imagens, há fotos raras e momentos capturados ao longo das décadas. “Essas imagens contam histórias que palavras não conseguem”, diz Sharron Fortnam, representante da The Alphabet Business Concern, selo independente da banda. O livro também inclui um single exclusivo, com faixas como “Faster Than Snakes With a Ball and a Chain” e uma versão inicial de “Dead Mice”.
Apesar do hiato, os Cardiacs voltaram aos palcos em 2024 com shows que celebram a música de Tim Smith. “Foi incrível retornar”, diz Jim. “Mas organizar novas turnês é complicado. Todos têm compromissos”. Kavus Torabi, guitarrista da banda, agora está envolvido com o Gong, enquanto outros membros também seguem projetos paralelos. Mesmo assim, Jim mantém esperança. “Queremos levar LSD para o público ao vivo. Quando conseguirmos alinhar agendas, será algo especial”.
Os Cardiacs nunca buscaram fama fácil ou sucesso comercial. Sua força estava na autenticidade e na coragem de criar algo único. Para os fãs, cada álbum é uma viagem. “The Seaside” pode ser dançante, enquanto “On Land and in the Sea” mergulha em camadas complexas. Essa dualidade é o que torna a banda tão especial. Em um mundo onde a música muitas vezes segue tendências, os Cardiacs lembram que a originalidade ainda tem espaço. Como escreveu Rhodri Marsden no obituário de Tim Smith no The Guardian: “Um submundo inteiro floresceu graças à sua visão”.
Ao olhar para os Cardiacs, percebemos que a música não precisa ser perfeita para ser poderosa. Ela pode ser caótica, experimental e cheia de falhas – e ainda assim conquistar corações. O livro e o álbum “LSD” são convites para explorar essa jornada. Que tal aceitar o convite?
Confesso que antes dessa matéria ser feita conhecia muito por cima a trajetória e os trabalhos do The Cardiacs, mas ouvindo com mais calma nesses últimos dias fica claro que Mike Patton e seu Mr. Bungle bebeu diretamente na fonte da banda, principalmente do álbum The Seaside.
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