Se você analisar a discografia do Matanza, o álbum de 2005, “To Hell with Johnny Cash”, surge como um divisor de águas. O que parecia ser apenas um disco de covers divertido, foi na verdade o laboratório definitivo para a identidade “Country-Core” da banda.
Longe de ser uma estratégia de marketing ou planejamento de gravadora, essa obra-prima nasceu da mais pura limitação técnica transformada em estilo e de uma conversa improvisada de bar, conforme revelado por Marco Donida, guitarrista e compositor, no podcast DonaMaraCast.
A busca de Donida por um som próprio veio após perceber que lhe faltava talento e “ouvido musical” para estilos complexos, como o metal extremo que ele amava, citando Slayer e Kreator.
Sua paixão pela música foi acesa pelo Kiss em 1982, mas a solução para o Matanza veio ao tentar, e falhar, aprender country da forma tradicional. Donida relatou, com humor, a experiência com um curso em vídeo:
Uma vez eu comprei um um VHS guitar lesson Country Guitar Lessons. Eu falei: ‘Cara, VHS. Cheguei em casa, peguei a guitarra, botei o o VHS, dei play, guardei a guitarra porque, meu irmão, eu não passei desde a primeira lição.
Diante da complexidade inviável do fingerstyle country, a simplicidade rítmica de Johnny Cash se tornou a “liga” perfeita. Ao ouvir “Walk the Line”, Donida percebeu que o formato monocórdico e rítmico do artista poderia ser replicado, mas turbinado com distorção. Ele revelou o momento da criação do country-core:
Quando apareceu o Johnny Cash na minha vida, quando apareceu o Walk the Line. Que o walk the line é pom pom pomocórdico. [Música] Eu falei, opa, Leonardo Di Caprio, né? É meu irmão, sabe? Isso aí eu consigo. Vou fazer isso só que mais rápido com drive do Marshall, ó. E cavagada matanza, mas acabou, fechou, entendeu?.
A ideia de gravar o tributo a Cash surgiu informalmente quando Rafael Ramos, da Deck, perguntou sobre o próximo trabalho em um bar, e o projeto cresceu de um compacto para um Dual Disc. Um dos fatos mais curiosos da produção foi o rigor purista na escolha das músicas.
A banda se limitou a canções do período inicial de Cash, a Era Sun Records (1955 a 1958), e selecionou apenas faixas escritas pelo próprio artista. Segundo Donida, “a gente fez, a gente fez uma pesquisa [ __ ] porque a gente só pegou as músicas da S, da época da Sun, que eram escritas pelo Johnny Cash, porque ele parou de escrever música depois de um tempo”. Esse critério resultou na exclusão de hits, inclusive “Walk the Line”, pois a canção que inspirou o estilo da banda não era de autoria de Cash.
O processo de transcrição das letras foi igualmente raiz, sendo feito manualmente no ouvido, “e como é que faz para arrumar as letras? Naquela época, irmão, era no ouvido, play, rec, pausa, volta, entendeu? E, e, era foda cara.”. Em uma era de pouca burocracia, e talvez por Cash ainda ser visto como um “cara meio esquisitão” no Rio de Janeiro, o disco foi gravado com pouca formalidade legal. Quando questionado sobre as autorizações, Donida confessou, “eu acho que não tinha nem autorização, cara. E eu não assinei porra nenhuma,”.
Mais do que o sucesso comercial, o álbum de covers restaurou a moral da banda. Donida, que após outros lançamentos sentia a “depressão pós-parto” e pensava em desistir da música, encontrou neste trabalho a validação de sua fórmula. Pela primeira vez, o grupo sentiu um orgulho inegável, provando que sua fusão de estilos funcionava, como afirmou Donida, “E esse a gente, [ _ ] terminou e falou assim: ‘[ _ ], velho, nós somos bom nessa porra cara, porque esse bagulho aqui, ó, vai se foder.’ Ninguém fez, cara. Ninguém fez não. E nesse esquema que nós fizemos, ninguém vai fazer. Vai se fuder irmão. E era real, sabe? A gente ficou realmente muito orgulhoso,”. Assim, “To Hell with Johnny Cash” consolidou a identidade do Matanza, garantindo que sua fórmula excêntrica de fato criava algo inédito.




