Em um momento de explosão do streaming, o Wu-Tang Clan decidiu seguir na contramão do mercado fonográfico. Em 2006, o grupo começou a trabalhar em um projeto sigiloso, que levaria quase uma década para ser concluído.
O resultado foi “Once Upon a Time in Shaolin”, um álbum com apenas uma cópia física, sem versão digital. A proposta era simples e provocativa: transformar música em objeto único, como uma obra de arte rara e intocável.
Produzido por RZA e pelo marroquino Cilvaringz, o álbum foi concebido em sigilo, longe da imprensa e dos fãs. A ideia era resgatar o valor da exclusividade no mundo digital, onde tudo se torna acessível em segundos. Segundo RZA, o projeto foi inspirado na tradição da arte antiga: peças únicas, criadas para serem preservadas. “Quando tudo é acessível, nada tem valor real”, afirmou o produtor em entrevista à Forbes em 2015.
Em 2015, o álbum foi vendido em um leilão privado por US$ 2 milhões, valor recorde para uma obra musical. O comprador era Martin Shkreli, executivo do setor farmacêutico conhecido por aumentar drasticamente o preço de medicamentos. A aquisição gerou polêmica imediata. Shkreli exibiu o disco em vídeos e tentou revendê-lo no eBay meses depois. O grupo criticou publicamente o comprador. “A arte caiu em mãos erradas”, disse RZA à Bloomberg Businessweek.
Em 2018, Shkreli foi condenado por fraude financeira e sentenciado a sete anos de prisão nos Estados Unidos. Entre os bens apreendidos estava o disco único do Wu-Tang Clan, confiscado como parte da sentença judicial.
Durante anos, “Once Upon a Time in Shaolin” ficou sob custódia do FBI como evidência em um processo criminal. O álbum deixou de ser apenas música e passou a simbolizar um embate entre arte, posse e poder. Em 2021, o disco foi arrematado por US$ 4 milhões pelo coletivo PleasrDAO, grupo ligado a criptoativos e arte digital.
A compra foi tratada como um manifesto contra o esvaziamento cultural no ambiente digital contemporâneo. “É um símbolo de tudo o que acreditamos: descentralização, arte e acesso”, disse o grupo em nota oficial. Apesar da nova posse, o contrato original do Wu-Tang Clan permanece em vigor, com cláusulas rígidas de sigilo.
O contrato impede qualquer reprodução pública do álbum por 88 anos após sua criação. O dono tem direito a audições privadas, mas não pode fazer cópias, divulgar trechos ou tocar faixas em eventos. Mesmo com a valorização e mudança de mãos, o álbum segue invisível ao público. A escuta permanece restrita, como se fosse uma escultura trancada em um cofre com data marcada para ser aberta.
Mais do que uma excentricidade, “Once Upon a Time in Shaolin” é uma crítica direta à lógica do consumo cultural. O Wu-Tang Clan propôs um experimento social: privar o mundo de ouvir para valorizar o que se ouve. A obra se transformou em símbolo da raridade como forma de resistência no tempo da abundância.
É uma pergunta em forma de disco: a música ainda importa se ninguém pode ouvi-la?