Não é muito difícil imaginarmos uma quarta-feira qualquer em meio à um amontoado de prédios espelhados com formatos estranhos, luzes de led piscando indicando o que você deve consumir e ruas abarrotadas de carros de plástico levando 2 horas pra chegar de uma esquina à outra. Esse rotina já nos pertence e nos violenta à cada dia que passa, estamos sem tempo pra nada, estamos sempre com a sensação de que não produzimos o suficiente no dia de hoje; ou que estamos esquecendo de desempenhar alguma tarefa que ficou pra trás quando nos sentamos no sofá para assistir algo no fim do dia até o sono vir e amanhã reproduzirmos o mesmo ciclo, tudo de novo.
Multiplique este cenário vezes dez e pronto! Você está em Tóquio ou Osaka, lugares que fervilham diversidade, angústia, cultura e submissão ao capitalismo tardio, tudo ao mesmo tempo.
Os grandes centros urbanos ao redor do mundo sempre foram um celeiro para a formação e criação de novas tendências de comportamento, formas de expressão, organização de coletivos e claro, o cenário perfeito para alimentar a contracultura.
Toda manifestação cultural de massa, tem como gênese pequenos ou grandes acontecimentos históricos, políticos e culturais, que servem como forma de reação e manifesto, como o surgimento do punk rock no auge do rock progressivo e seus músicos com caras de jovens abastados usando capas de lantejoula tocando teclados por 20 minutos sem ir à lugar algum, esta música elitista não representava os jovens suburbanos, ou mesmo o movimento Oi!, o Streetpunk e os Skinheads dos subúrbios de Londres nos anos mais contundentes da Era Thatcher.
O período pós-guerra no Japão serviu como ponto de partida de uma influência cultural crescente com à partir da década de 1950, o rockabilly surge e se consolida em meio aos jovens como uma alternativa muito expressiva à enxurrada de artistas ocidentais que cruzaram o oceano de carona nos mísseis teleguiados.
Artistas norte americanos como Elvis Presley, Carl Perkins e Bill Haley, também foram responsáveis pela identidade do rockabilly no Japão, tenho seu apogeu no início da década de 1960 com o surgimento de bandas locais como The Spiders e The Tigers, que sintetizavam e representavam toda a expressão do jovem suburbano japonês, não sendo mais necessário reproduzir padrões estéticos ocidentais, agora, eles mesmo erguiam seus próprios pompadours e talhavam seus penteados ducktail.
O rockabilly no Japão deixou de ser uma cópia dos padrões norte-americanos da época, da juventude rebelde sem causa e dos jovens de classe média bancados pelos pais. O estilo foi se aprofundando cada vez mais aos subúrbios e dialogando cada vez mais com a classe jovem trabalhadora em todos os aspectos, incorporando elementos da moda, dança e música japonesa, resultando em uma expressão cultural distinta.
Tóquio, em particular, tornou-se um ponto de referência da cena rockabilly no Japão, com parques como o Yoyogi Park , servindo como palcos improvisados onde os jovens se reuniam para dançar, exibir suas roupas extravagantes e seus topetes, e pasmem, esse movimento se renova e ainda existe até hoje, como um ritual, sempre nos mesmos dias e horários, os Strangers são simplesmente um ícone da contra cultura local, continuam mais dançantes e com o sapato mais brilhante do que nunca! O grupo simplesmente atravessa 3 ou 4 gerações e segue acreditando no espírito rebelde e no puro e simples Rock n Roll. O Rockabilly se tornou uma cultura, ou uma contra cultura, criou seu estilo próprio, sua forma de dialogar com a juventude roqueira que permanecia às margens dos grandes centros urbanos ao redor do mundo, no Japão não foi diferente.
O Japão é famoso por conter as cenas musicais mais fiéis, as bandas mais dedicadas à viver e levar a diante os estilos e segmentos dos quais elas pertencem. A cena do Metal, do Punk, do Grind são as mais coesas, as mais autossuficientes e autênticas já vistas nas últimas 2 décadas pelo menos.
O rockabilly dos anos 2000 produziu uma fusão interessantíssima com o garage rock, além de contar com um formato que segue se renovando e se reinventando, como por exemplo banda inteiras formadas por mulheres ou bandas queers; e vale destacar também outros subgêneros como o psychobilly e o grind, este último representado por uma banda incrível só de minas de Tóquio chamada Otoboke Beaver (ouçam esta maravilha e aproveitem sem moderação!).
À medida que o tempo avançava, o rockabilly japonês continuava a evoluir. Novos artistas adicionaram suas próprias identidade ao gênero, expandindo sua influência e alcance. Além dos nomes mencionados, destacaram-se figuras como Masaaki Hirao, conhecido como o “Rei do Rockabilly Japonês”, e a banda Carol, que pioneiramente misturou rockabilly com outros estilos tradicionais japoneses.
O destaque internacional veio com bandas como The 5.6.7.8’s, uma formação feminina que ganhou reconhecimento após sua participação no filme “Kill Bill: Vol.1” de Quentin Tarantino, naquela cena clássica de carnificina em Tóquio em que The Bride (Uma Thurman) invade uma festa à procura de O-Ren Ishii (Lucy Liu) com um Rockabilly animadíssimo e muito bem tocado rolando como pano de fundo enquanto o pau come literalmente, uma cena simplesmente épica e um reconhecimento merecido pra uma banda incrível e com uma representatividade absurda para a cena underground local.
Atualmente, Johnny Daigo Yamashita, ou Johnny Pandora, que também faz parte do icônico The Strangers, chamado pela cena local de “Samurai Rock n Roll” é o grande nome do Rockabilly Japônes, “Rock Me Baby” seu álbum de estréia de 2017 é um verdadeiro mergulho no rock dos anos 50 com toda aquela influência de Elvis Presley, Bill Haley, e Buddy Holly misturado com Stray Cats que todos nós amamos.
Acho incrível, à cada busca, à cada pesquisa sobra gêneros e estilos que gosto espalhados pelo mundo inteiro, a riqueza das cenas locais, dos eventos, das bandas que se dispõem e deixar tudo pra trás pela simples paixão de fazer o que acreditam. De não aceitar que um saudosista qualquer lhe diga que o Rock morreu, que tal banda nunca mais vai existir igual, ou blábláblá… Eles simplesmente acreditam, eles simplesmente fazem acontecer, eles simplesmente vivem aquilo e não tem mais retorno, quer você queira ou não. E isso não é maravilhoso?
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