Matheus Vidor – Entre Ecos e Silêncios

Reinaldo Hilário
12 minutos de leitura
Matheus Vidor. Foto: Divulgação.

Nascido em São Francisco de Paula, nas serras frias do Rio Grande do Sul, Matheus Vidor é um daqueles músicos que caminham na penumbra da criação, habitando territórios onde a música se torna não apenas som, mas também atmosfera, sentimento e filosofia. Multi-instrumentista de natureza inquieta, ele encontrou na solidão o espaço necessário para erguer universos sonoros próprios, mundos que existem à margem do comum, mas que respiram profundamente a essência humana.

Seus projetos são como capítulos distintos de um mesmo livro obscuro. Em Windveill, desde 2019, carrega sozinho o peso de todos os instrumentos e vocais, criando atmosferas que beiram o etéreo e o melancólico. Em Autrest e Dispar, desde 2022, suas composições transitam entre o frio da existência e a nostalgia dos dias que se perderam. Também há colaborações marcantes em Aliénation, Cataclysmic Warfare e Nenya, onde seu papel como mixador e masterizador revela o lado artesanal e meticuloso de sua arte.

Apesar de criar no Brasil, seu som encontra eco em terras distantes. Lançamentos fora do país surgiram como consequência natural de um trabalho sem fronteiras, música feita para atravessar o vento, não para caber em mapas. Há algo de universal em sua melancolia, uma linguagem que dispensa tradução.

Sua obra parece nascer do mesmo lugar de onde vem o silêncio depois da tempestade, uma clareira de introspecção, mas também de resistência. Matheus é, antes de tudo, um escultor de atmosferas, um narrador de histórias que não precisam de palavras. O Brasil pode até não ser o berço natural de seu estilo, mas é o palco onde ele ergue sua própria catedral sonora.

Agora ele abre um novo capítulo de sua jornada. Burning Embers, Forgotten Wolves, lançado em 05 de setembro de 2025, surge como um sopro ardente, em que cinzas se misturam à fúria e memórias se confundem com solidão. Cada faixa parece carregar o peso de lembranças soterradas, como lobos esquecidos que ainda rondam a noite em busca de sentido. Há uma chama que insiste em permanecer, mesmo diante do silêncio, transformando-se em melodia crua e cortante. Talvez aqui o Autrest revele sua face mais visceral, onde a beleza e a dor se entrelaçam como fogo que nunca se apaga.

  1. Quando você olha para trás, qual foi o momento decisivo em que percebeu que a música seria seu caminho, mesmo que solitário?

Matheus – Quando mais novo, tive algumas bandas com outros membros, mas nada realmente foi para frente. A maioria do tempo era gasto tocando covers, e percebi que aquilo não me preenchia. Eu sentia muito mais vontade de compor do que simplesmente reproduzir músicas já existentes. Foi nesse momento que entendi que, mesmo sozinho, eu poderia criar algo que fosse verdadeiramente meu e que a música seria o meu caminho, ainda que solitário.

  1. O que significa para você carregar sozinho a responsabilidade de todos os instrumentos e vocais em projetos como o Windveill?

Matheus – É um desafio, mas também uma forma de liberdade. Ter controle de cada detalhe me permite criar algo exatamente como imagino. Ao mesmo tempo, exige paciência e entrega, porque não há ninguém para dividir o peso. No fim, é como conversar comigo mesmo em diferentes vozes e timbres.

  1. Muitos consideram seu estilo fora do eixo da música brasileira. Você vê isso como isolamento ou como liberdade criativa?

Matheus – Vejo como liberdade. Não me sinto preso a nenhuma tradição ou obrigação estética, e isso me dá espaço para experimentar. Pode soar isolado olhando de fora, mas, para mim, é justamente essa distância que me permite respirar e criar sem limitações.

  1. O quanto o ambiente da Serra Gaúcha influencia na atmosfera das suas composições?

    Matheus – Me traz muitas inspirações, principalmente o clima e a paisagem. Sinto que isso se reflete em várias composições, sobretudo no Autrest, que tem uma ligação mais direta com a natureza e com esse contraste de como ela pode ser ao mesmo tempo bela e amarga
  1. Em Autrest e Dispar, quais sentimentos você busca transmitir que talvez não apareçam em Windveill?

Matheus – No Windveill, existe um lado mais espacial e cósmico, como uma viagem para outra dimensão. Já no Autrest e no Dispar, busco mergulhar em algo mais visceral, mais ligado a dor, à fúria contida e à nostalgia. São diferentes faces da mesma atmosfera, mas com intensidades distintas.

  1. O público brasileiro entende a profundidade do seu trabalho ou você sente que a maior recepção vem de fora?

    Matheus – A recepção maior vem de fora, sem dúvida, talvez por afinidade estética. Mas no Brasil também encontro pessoas que se conectam de forma intensa. Não é sobre quantidade, mas sobre profundidade, e quando alguém entende, entende de verdade.
  1. Como surgiram os primeiros convites e oportunidades para lançar trabalhos fora do Brasil?

Matheus – Vieram de forma orgânica. Pessoas de outros países encontraram minhas músicas e deram sugestões de selos. A partir daí começaram a surgir colaborações, e optei por escolher a Northern Silence Productions, que tem projetos que sempre foram grandes inspirações para a minha vida.

  1. Existe alguma diferença no processo criativo quando você sabe que a obra terá um lançamento internacional?

Matheus – Não exatamente. A música nasce do mesmo lugar, indiferente de onde será lançada. Só depois, talvez, eu perceba que ela ressoará em terras distantes. Mas na criação, isso não passa pela minha mente.

  1. Sua música tem uma carga melancólica e contemplativa muito intensa. Esse é um reflexo da sua vida pessoal ou uma escolha estética?

Matheus – É um reflexo inevitável da forma como enxergo o mundo. A estética vem depois, como uma tradução disso. Não consigo separar completamente o pessoal da criação, porque a música é justamente onde deposito aquilo que não consigo carregar de outro jeito.
Mas também de certa forma eu preciso estar me sentindo bem para compor. Então, muitas vezes, a melancolia das músicas é mais um reflexo de sentimentos que já vivi do que do que estou sentindo no momento da criação.

  1. No trabalho de mixagem e masterização, como você mantém a identidade sonora mesmo em projetos de outros artistas?

Matheus – Este ano, abri o VOIDSEA Studios, um estúdio dedicado a produções musicais com foco em metal, e tive o prazer de produzir para bandas de vários países. Procuro sempre respeitar o espírito de cada obra, mantendo a identidade do artista, mas de forma sutil minha própria abordagem acaba aparecendo. É um equilíbrio entre o que cada banda quer expressar e o cuidado com a sonoridade final, sem comprometer a autenticidade do projeto.

  1. Burning Embers, Forgotten Wolves parece um título carregado de simbolismo. O que podemos esperar desse lançamento em setembro?

Matheus – Esse álbum é um passo diferente para mim, porque estou experimentando outros sons algo ainda mais atmosférico e, de certa forma, até com um toque folk em algumas músicas. Não é exatamente um caminho que pretendo seguir em todos os próximos trabalhos, mas para esse em específico era algo que eu queria tentar. A música continua com as atmosferas densas e os riffs marcantes do primeiro álbum, mas agora traz esse elemento a mais, que amplia a paleta sonora.
Posso dizer que Burning Embers, Forgotten Wolves é ainda mais uma forma de se conectar com a natureza. Sinto que essa é a real simbologia dele: traduzir como a natureza pode ser um espaço de beleza e de hostilidade ao mesmo tempo, e como essa dualidade conversa com a nossa própria existência.

  1. Qual é o papel da solidão na sua criatividade? É um combustível ou um peso?

Matheus – É os dois. Às vezes pesa, às vezes me alimenta. Mas é na solidão que consigo escutar os sons que não seriam ouvidos em meio ao barulho do mundo.

  1. Como você vê o lugar da música atmosférica e melancólica no cenário brasileiro?

Matheus – Existem algumas bandas brasileiras dentro desse estilo que eu realmente gosto e admiro, mas ainda é um espaço pequeno. Sem dúvida, esse tipo de música merece um crescimento maior na cena, porque tem muito a oferecer em termos de profundidade e identidade.

  1. Existe algum sonho ou colaboração internacional que você ainda deseja realizar?

Matheus – Tenho muitos sonhos, mas não penso em nomes específicos. Gostaria de colaborar com pessoas que compartilhem da mesma entrega e visão atmosférica, independentemente de onde estejam.

  1. Para o futuro, você se imagina expandindo para apresentações ao vivo ou sua arte sempre será essencialmente de estúdio?

Matheus – Pretendo começar a fazer shows, mas sei que isso vai levar um tempo. Já estou começando a organizar para que aconteça, mas ainda não há previsões concretas. Por enquanto, meu foco continua sendo a criação em estúdio, que é onde me sinto mais à vontade, mas é algo que quero experimentar em breve.

  1. Obrigado Matheus por ceder seu tempo a esse que vos escreve!

Matheus – Eu que agradeço pelo espaço e pela oportunidade de compartilhar meu trabalho. É sempre especial poder compartilhar um pouco do que faço e conversar sobre música com quem realmente se interessa. Espero que apreciem e se sintam conectados com a música da mesma forma que eu me sinto ao criá-la.



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