
Neste mês de outubro, mais especificamente no último dia 3, o disco A Mulher do Fim do Mundo, 32º álbum da carreira de Elza Soares, completou 10 anos de seu lançamento. A cantora, falecida em 2022 aos 91 anos — dois dias após a gravação de um show — passou por um importante processo de revalorização após o lançamento do trabalho, sendo aclamada por público e crítica no Brasil e no exterior.
Falar da vida e da obra de Elza Soares, mesmo que de forma resumida, é tarefa quase impossível. Para isso, recomenda-se a leitura da biografia Elza, lançada em 2018 pelo jornalista Zeca Camargo. Naquele mesmo período, a cantora lançava o disco Deus é Mulher (2018), sequência natural do trabalho de 2015. Ainda viria Planeta Fome (2019), produzido por Rafael Ramos e com flertes ao rock, além de participações especiais em outras obras, no que seria seu último lançamento ainda em vida. Depois de sua morte, vieram registros ao vivo e um disco póstumo, lançado em 2023.
Antes de falarmos do disco aniversariante, é importante lembrar que Elza já havia feito um movimento de modernização de seu repertório em 2002, com o lançamento de Do Cóccix até o Pescoço. Nesse álbum, reaproxima-se de compositores com quem já havia trabalhado e colabora pela primeira vez com nomes como Marcelo Yuka, Seu Jorge e Carlinhos Brown, num trabalho que flerta com o rap e elementos eletrônicos. Depois de Vivo Feliz (2003), seguiu-se um longo período de silêncio até a volta triunfal em 2015.

Mas o que fez de A Mulher do Fim do Mundo um lançamento tão importante, a ponto de figurar como o álbum da década de 2010 mais bem posicionado (45º lugar) no ranking dos 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos, organizado pelo podcast Discoteca Básica, do jornalista Ricardo Alexandre, e publicado em livro em 2023?

Em primeiro lugar, impressiona o fato de que, em mais de 70 anos de carreira, este tenha sido o primeiro álbum de Elza composto apenas por canções inéditas. Além disso, o disco, que nasceu da iniciativa do produtor Guilherme Kastrup e foi financiado através do Natura Musical, reuniu um coletivo informal de músicos de São Paulo — sucessores espirituais da Vanguarda Paulistana — que vinham experimentando novas formas de abordar o samba e outros gêneros. Entre eles, Kiko Dinucci, Rômulo Fróes e Rodrigo Campos, integrantes do que se convencionou chamar de “Clube da Encruza”.
As composições foram escritas especialmente para a voz de Elza, tendo como base sua trajetória de vida, marcada por enfrentamentos, dor e resistência. O disco serviu, assim, não apenas como um renascimento artístico para a cantora, que percorreu o país com o espetáculo e enfim recebeu o reconhecimento há muito merecido, mas também como um documento definitivo de uma geração de músicos que, à margem da indústria fonográfica cada vez mais obsoleta, encontrou em Elza sua voz mais potente.
