Get The Picture? do The Pretty Things completa 60 anos

Luis Fernando Brod
5 minutos de leitura
The Pretty Things. Crédito> Wolfgang Kuhn/United Archives via Getty Images.

“Get the Picture?” chegou às lojas em dezembro de 1965, mas soa como se tivesse sido feito no exato instante em que a juventude britânica decidiu que o rhythm & blues cru não bastava mais. O The Pretty Things já tinha fama de ser a banda mais barulhenta e indomável da Inglaterra, muito mais suja e intensa que seus contemporâneos bem comportados. Mas, nesse segundo álbum, eles fizeram algo raro: mantiveram a ferocidade e, ao mesmo tempo, abriram espaço para melodias mais elaboradas, arranjos ousados e uma sensibilidade pop que apontava diretamente para o que viria a dominar a segunda metade da década.

O disco nasceu num momento em que o grupo começava a questionar seus limites. Depois do primeiro álbum essencialmente tomado por covers e releituras de clássicos do R&B americano, Phil May e Dick Taylor queriam um espaço maior para composições próprias. E conseguiram: “Get the Picture?” é o primeiro registro em que a dupla aparece de fato como arquiteta da sonoridade da banda, explorando guitarras reverberantes, vocais empilhados e um experimentalismo discreto, mas presente. Foi também o momento em que eles começaram a deixar claro que não ficariam presos ao formato de bar-band que os acompanhava desde o início.

A importância do disco está exatamente nessa encruzilhada. Ele antecipa elementos que só seriam amplamente reconhecidos com o boom psicodélico de 1966 e 1967. Muita gente fala sobre “Revolver”, “Pet Sounds” e “Freak Out!”, mas raramente lembra que, meses antes, o Pretty Things já estava testando colagens sonoras, harmonias vocais mais complexas e letras que iam além dos temas típicos do R&B. Não é exagero dizer que parte do que viria a se desdobrar no rock psicodélico britânico — e até no rock de garagem americano — encontra rascunhos aqui.

The Pretty Things em 1965

As histórias de bastidores ajudam a entender o espírito do álbum. O grupo gravou o disco em sessões rápidas, muitas vezes improvisadas, em estúdios pequenos, com orçamento reduzido. Phil May costumava contar que boa parte das ideias surgia ali mesmo, no calor do momento. Dick Taylor, ex-integrante inicial dos Rolling Stones, lembrava que o Pretty Things queria sozinho mostrar que não dependia da estética R&B norte-americana; buscavam algo mais pessoal, algo que capturasse a vida urbana de Londres, a ansiedade da época e a sensação de que a música precisava evoluir rápido. O resultado é um disco urgente, elétrico, cheio de arestas — exatamente o tipo de energia que faz um trabalho sobreviver ao tempo.

As faixas de destaque confirmam isso. “Midnight to Six Man” é talvez o grande clássico, um retrato perfeita da vida noturna londrina e da sensação de viver sempre algumas horas atrasado em relação ao mundo. É também um dos primeiros exemplos de letras que realmente observam a cidade como personagem, algo que depois se tornaria comum no rock britânico. “Cry to Me”, uma releitura que foge completamente do padrão suave da versão de Solomon Burke, deixa claro como a banda conseguia transformar influências americanas em algo mais animalesco e direto. “Buzz the Jerk” surge como uma das músicas mais divertida e irônicas do repertório, enquanto “London Town” aponta para o interesse crescente dos Pretty Things por texturas mais complexas, já ensaiando o caminho que levaria ao clássico “S.F. Sorrow” alguns anos depois.

Apesar de não ter alcançado o sucesso comercial de bandas contemporâneas, o álbum se tornou uma peça cultuada por músicos. Grupos de garage rock americanos o citam como inspiração desde o final dos anos 60, e colecionadores o tratam como um daqueles discos que ajudam a explicar a transição entre o beat inglês e a explosão psicodélica. Quem busca entender como a música britânica caminhou da inocência pop para territórios mais ousados encontra em “Get the Picture?” um capítulo essencial.

O The Pretty Things nunca teve o brilho midiático dos Rolling Stones ou a aura mítica dos Who, mas esse disco prova que eles estavam pensando tão à frente quanto qualquer gigante da época. “Get the Picture?” é elétrico, nervoso, divertido, inquieto e, sobretudo, revelador. É um daqueles álbuns que capturam não apenas um momento da banda, mas um momento da própria música — aquele ponto em que tudo começou a se expandir.

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