Heaven or Las Vegas, o auge criativo do Cocteau Twins

Luis Fernando Brod
5 minutos de leitura
Cocteau Twins. Foto: Dave Tonge/Getty Images.

Em 1990, o cenário musical britânico já havia assimilado a onda do pós-punk e da new wave, abrindo espaço para novos territórios musicais que exploravam texturas e atmosferas em vez de estruturas convencionais. Foi nesse contexto que o Cocteau Twins, trio escocês formado por Elizabeth Fraser, Robin Guthrie e Simon Raymonde, alcançou seu auge criativo com Heaven or Las Vegas — um álbum que combina experimentalismo, acessibilidade pop e uma beleza etérea que se tornaria referência para gerações futuras do dream pop e do shoegaze.

O fim dos anos 1980 e início da década de 1990 foi um período de transição na música alternativa. Bandas britânicas experimentavam com camadas de som, reverbs profundos e vocais que flutuavam entre o humano e o sobrenatural. O Cocteau Twins, desde seus primeiros álbuns — como Garlands (1982) e Treasure (1984) — já vinha moldando uma identidade sonora própria, marcada pelo uso inovador de guitarra, pedais de efeito e a voz de Fraser como instrumento principal, muitas vezes ininteligível, mas carregada de emoção.

Heaven or Las Vegas, lançado pelo selo 4AD, chega em um momento de maturidade do grupo: a banda mantém suas características etéreas, mas encontra equilíbrio entre complexidade sonora e melodias acessíveis. É o álbum em que a experimentação se alia à clareza emocional, resultando em canções que são simultaneamente oníricas e profundamente humanas.

O disco abre com “Cherry-Coloured Funk”, faixa que exemplifica o som típico da banda: guitarras com delay, texturas etéreas e a voz de Fraser pairando sobre camadas de instrumentos como se estivesse em outro plano. A faixa, que se tornou um dos singles mais marcantes da carreira, já anuncia o clima lírico e introspectivo do álbum.

Seguem-se canções como “Pitch the Baby” e “Iceblink Luck”, esta última uma das mais pop do disco, com refrão marcante que trouxe maior visibilidade ao grupo. Guthrie mantém suas guitarras envolventes, criadas com múltiplos efeitos de chorus e reverb, enquanto Fraser continua explorando seu canto como instrumento sonoro, mesclando palavras inteligíveis a fonemas abstratos, transformando a voz em uma verdadeira textura musical.

Outras faixas, como “Heaven or Las Vegas” (título homônimo), “Fotzepolitic” e “Fifty-Fifty Clown”, destacam a alternância entre densidade sonora e clareza melódica. O baixo de Raymonde, mais presente e definido neste álbum, fornece uma base firme que equilibra a leveza das guitarras e da voz, enquanto a produção, mais limpa que em trabalhos anteriores, permite que cada camada sonora respire e seja percebida.

Heaven or Las Vegas é frequentemente apontado como o ápice criativo do Cocteau Twins. Comercialmente, foi o trabalho que trouxe maior reconhecimento à banda, especialmente no Reino Unido, consolidando sua posição no cenário alternativo internacional. Mais do que isso, o álbum é uma síntese de tudo que a banda vinha experimentando ao longo da década de 1980: a junção de delicadeza, experimentalismo e força emocional.

Além de seu impacto direto sobre o dream pop e o shoegaze, influenciando artistas como Lush, Beach House e M83, o disco é também uma obra que equilibra o abstrato e o acessível. Ele mantém a aura mística do Cocteau Twins sem se tornar inacessível, permitindo que ouvintes menos familiarizados com o experimentalismo apreciem sua beleza imediata.

O título Heaven or Las Vegas remete a uma dicotomia entre transcendência e materialidade, algo que atravessa a obra da banda. Elizabeth Fraser lidava com questões pessoais e emocionais intensas durante a gravação, o que contribuiu para a densidade afetiva do disco. A produção ficou a cargo de Guthrie e Raymonde, que buscaram capturar a leveza do dream pop sem perder a intensidade emocional característica da banda.

Outro destaque é a clareza melódica que o grupo alcançou neste álbum: embora mantivesse suas camadas densas e vocais etéreos, as canções se tornaram mais estruturadas, abrindo caminho para o sucesso comercial e para maior recepção crítica.

Heaven or Las Vegas é um disco que combina sonho e realidade, introspecção e acessibilidade, transcendência e humanidade — um álbum que define não apenas a carreira da banda, mas também o conceito de dream pop como gênero.

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