Desde que surgiu na cena alternativa irlandesa, o Just Mustard se destacou por transformar o ruído em emoção. Em We Were Just Here, lançado em 2025 pela Partisan Records, a banda de Dundalk aprofunda esse caminho, criando um disco que parece observar o próprio desaparecimento. O título, que em tradução livre significa “Nós acabamos de estar aqui”, funciona como uma metáfora sobre a passagem do tempo e a fragilidade da presença — temas que atravessam tanto as letras quanto o modo como o grupo constrói seu som.
Não se trata de um álbum que busca impacto imediato, mas de uma experiência sensorial, em que cada camada de som se dissolve e reaparece como se o ouvinte estivesse caminhando por um sonho em ruínas.
O Just Mustard nunca se encaixou confortavelmente em um único gênero. Embora frequentemente associado ao shoegaze e ao post-punk, o grupo evita as fórmulas mais conhecidas de ambos. No lugar das atmosferas enevoadas do shoegaze dos anos 1990, o quinteto adota uma abordagem mais seca e dissonante, próxima do noise rock e da eletrônica industrial
Em We Were Just Here, essa mistura atinge maturidade. As guitarras ainda produzem camadas densas de distorção, mas o espaço sonoro agora é mais controlado, mais tridimensional. Há momentos em que o grupo soa quase dançante — ainda que em uma pista de dança imaginária, coberta de neblina e ruído. As batidas, por vezes eletrônicas, criam pulsos rítmicos que sustentam as melodias fragmentadas e os vocais espectrais de Katie Ball.

Aqui, há mais espaço, mais ar — e, paradoxalmente, mais densidade. Em vez da névoa sonora típica de bandas como Slowdive, Lush ou Cocteau Twins, o grupo adota um minimalismo ruidoso, influenciado por Nine Inch Nails, Portishead e até Massive Attack. O ruído deixa de ser um disfarce e passa a ser a própria linguagem: cada distorção é uma frase, cada reverberação, uma lembrança distorcida.
Produzido pela própria banda e mixado por David Wrench, o disco traz uma sonoridade limpa sem perder a aspereza. As batidas ganham protagonismo, sugerindo uma conexão com a pista de dança — mas uma pista subterrânea, enevoada, como se o som vagasse por corredores vazios. As camadas eletrônicas que atravessam o álbum funcionam como um contraponto moderno à brutalidade das guitarras, criando um território híbrido entre o humano e o mecânico.
A faixa-título, “We Were Just Here”, condensa a proposta estética do álbum: melodia fragmentada, ritmo hipnótico e um refrão que parece repetir um mantra existencial. O verso principal soa como uma lembrança interrompida, um lampejo que se apaga antes de se fixar. Outras músicas, como “Endless Deathless” e “Dandelion”, exploram texturas mais industriais, com guitarras serrilhadas e percussão quase tribal. Já momentos como “Silver” e “Dreamer” oferecem breves respiros de melancolia — passagens em que a banda se permite um vislumbre de delicadeza antes de mergulhar novamente no ruído.
A força de We Were Just Here está justamente nessa alternância entre violência sonora e contenção emocional. Há uma sensação constante de que o disco poderia explodir a qualquer momento, mas o grupo prefere o controle. O resultado é um álbum que soa urgente e preciso, ao mesmo tempo. O Just Mustard não quer mais se esconder sob camadas de distorção — quer que o ouvinte sinta a vibração das frequências, o ar que se desloca entre uma batida e outra.
Em termos de identidade, o álbum reafirma o lugar do Just Mustard como um dos nomes mais criativos da Irlanda contemporânea — uma banda que compreende o shoegaze não como uma fórmula, mas como uma possibilidade de linguagem. Há ecos de Joy Division, Siouxsie and the Banshees e até The Cure, mas sempre filtrados por um olhar contemporâneo, mais frio, quase cinematográfico. O grupo trabalha com o som como se fosse luz: cada faixa ilumina o vazio de um modo diferente.
A melancolia do disco não é passiva, e sim vibrante. É o tipo de tristeza que pede fones de ouvido e uma caminhada noturna, o olhar fixo nas luzes que se apagam à distância. O título se transforma, ao fim, em uma reflexão: o que significa “estar” em um mundo que muda tão rápido? Que marcas deixamos quando tudo é apagado pelo próximo som, pela próxima faixa?
We Were Just Here é um álbum sobre presenças efêmeras — e sobre a beleza que existe em desaparecer. É o Just Mustard mais acessível e, ao mesmo tempo, mais enigmático. Um disco que não busca respostas, mas que transforma a dúvida em música.



