Mestres da Desarmonia: Enthrone Darkness Triumphant, do Dimmu Borgir (1997)

Na segunda metade da década de noventa, o boom da cena do metal escandinavo dava uma nova chama ao gênero que havia entrado em estagnação lá pelo começo da década. Embora bandas Norte Americanas como Metallica e Pantera, ou até mesmo o nosso Sepultura estivessem trazendo novidades à aquele mercado, havia o sentimento de que faltava algo: a versatilidade do cenário Europeu, que era independente das amarras da indústria musical impostas pelo outro continente e suas panelinhas. Mas foram as bandas de Black Metal Sinfônico que tiveram um grau de prestigio ainda maior por conta da de suas excentricidades, sendo uma delas o Dimmu Borgir, com o seu terceiro e grande clássico Enthrone Darkness Triumphant, lançado em 30 de Maio, 1997.

Dimmu Borgir em 1997: Tjoldav, Silenoz, Shagrath, Stian Aarstad, Nagash e Jens-Petter Sandvik – Créditos: imprensa

No ano de 1996, era lançado em Janeiro o segundo trabalho, o Størmblast, que manteve a mesma natureza folk, extrema e lo-fi do trabalho anterior For All Tid… (1995), recebendo prestígio da cena underground e também chamando a atenção da gravadora alemã Nuclear Blast, principalmente após o lançamento do EP Devil’s Path , de parceria de curta duração com o selo norueguês Hot Records. Já de contrato assinado, ficou sobre o cargo do músico Peter Tägtgren (Hypocrisy) assumir a produção do novo álbum no seu estúdio próprio, The Abyss, na Suécia, juntamente de uma pequena mudança na formação, na qual o entraria Nagash, que não era estranho a cara característica sinfônica dessa pelo seu trabalho no Covenant, no lugar de Brynjard Tristan no baixo. Aarstad, que ocupava a vaga de tecladista, teve de se afastar por um tempo da banda por conta de suas obrigações com o exercito norueguês ao atingir a maior idade, ficando sobre o cargo de Shagrath as composições no instrumento.

A princípio, o conteúdo não havia impressionado tanto Tägtgren por ser melódico demais para o seu gosto, algo um tanto irônico, considerando que sua banda principal na época fazia o som que denominava em pompa o cenário de Gotemburgo. Independente disso, manteve empenho total em cima do projeto, especialmente ao ouvir os lançamentos anteriores, na qual declarou que de jeito nenhum a banda sairia do estúdio dele com a qualidade de som que antes possuíam. Tal feito faz jus a intensidade sonora de Enthrone Darkness Triumphant, cujo não apenas a precisão rítmica quanto o feeling casam muito bem, como também a guitarra ganha um espaço ainda maior e balanceia, dessa vez, seu lugar com os teclados e sintetizadores. Um novo disco que pela qualidade, acabava sendo mais acessível, porém, sem perder a essência e seu peso. O lado folclórico também era deixado de lado, e agora as letras intensamente abordavam ora sobre temas ainda mais obscuros como também o satanismo em sua singela e simbólica forma.

Shagrath ao vivo em 1997 – Créditos: imprensa

A primeira faixa, Mourning Palace, mostra a versatilidade que o poder dos teclados emanam ao introduzir o trabalho instrumental, que mescla em desarmonia, a parede de som que define o grupo, e o fez ao longo dos anos, seguindo com o frio na espinha causado pela Spellbound (By The Devil), que assim como a anterior, também ganhou um videoclipe para divulgação. Fica evidente ao ouvinte, que dessa para frente, os elementos sinfônicos, ao ganharem destaque relativo, diferem e muito do que se pode esperar de uma banda de metal extremo. Talvez, a primeira vista, faça muitos fãs torcerem o nariz de primeira, ainda por abandonar toda a estética visceralmente lo-fi e que bem casava com o agressivo e vulnerável que denominou o gênero na primeira metade dos anos noventa. Entretanto, deve se garantir o fato de que dessa maturidade musical nas composições, adquiriram ainda mais vida à sua personalidade introspectiva, e com isso, uma abordagem mais direta, especialmente quando a que encerra o Lado A, The Night Masquerade, mescla de forma natural o Lado B, seja com Tormentor Of Christian Souls, Masters Of Disharmony, Prudence’s Fall, além da cadenciada A Succubus In Rapture, justificando a autenticidade desse petardo.

Shagrath assume de vez os vocais, considerando que antes experimentava mudanças de cargo dentro da banda, como baterista e guitarrista, a fim de se adaptar de forma gradual dentro da unidade. Parte da função era cumprida por Silenoz, que incentivou o colega e amigo a pegar a posição, já sabendo que tinha maior potencial para ser um frontman do que ele, além de exercer da função de vocalista de forma melhor. Se existem certezas além da morte, é que o jovem guitarrista estava certo: não apenas Stian Shagrath brilha tão bem no palco ao vivo até hoje, como introduziu growlings que em elo com o screaming, torna sua performance na audição desse disco algo surpreendente! E mesmo que tenha mudado seu estilo vocal conforme o início do novo milênio, sua identidade e técnica vocal única continuou inconfundível com o passar dos anos.

Dimmu Borgir, agora com Kimberly Goss assumindo brevemente a função dos teclados. Créditos: Instagram público da musicista.

De fato, como mencionado antes, mesmo os teclados tendo um espaço mais concentrado em comparação a outros carnavais, ainda assim, são os pontos mais marcantes quando alguém questiona sobre a estrutura musical desse álbum. Não tem como falar de Dimmu Borgir por si só sem destacar a importância que o instrumento tem na identidade do legado dessa. O que Shagrath fez é algo digno de jovens que não apenas sabiam orquestrar e tinham precisão musical de excelência, mas que possuíam trilhas sonoras como uma das inspirações intrínsecas e de requisito indispensável para fazer parte daquela horda. A sensação é justamente de ampliar a experiência atmosférica com a simplicidade direta das guitarras, baixo, vocais e os blast beats de Tjodalv, que diga-se de passagem, demonstra como sempre tiveram um dedo muito bom para escolha de bateristas, seja também com Nicholas Barker (Cradle Of Filth, Lock Up) ou Hellhammer (Mayhem), que possuía um extenso currículo no cenário extremo.

Entretanto, precisamos enfatizar que peso morto dentro de uma banda nunca foi algo bom, da mesma forma que não é em trabalhos de TCC na faculdade. Já vi e muitos se questionarem porque da saída de Aarstad e tão pouco sabiam da ausência desse nas composições desse projeto. Porém, mal sabem que mesmo após sua saída, quase 10 anos depois, iria gerar para o grupo um prejuízo com a justiça por conta de plágio nas suas tarefas ainda na ano de 1996, um para a faixa Sacred Hour da banda Magnum, e outro para a trilha sonora do jogo Agony, da plataforma Amiga, tamanha covardia que a princípio não teria por onde explicar, a não ser om óbvio: desinteresse. Após enrolar os membros de diversas formas, a péssima conduta acaba implicando em sua saída. Entra ninguém menos que Kimberly Goss, mesmo que por pouco tempo, para ocupar o papel deixado pelo ex-membro preguiçoso, saindo logo após para formar o Sinergy com Alexi Laiho (Children Of Bodom), pavimentando a entrada de Mustiis, talvez o membro mais emblemático da época de ouro.

Obviamente que não escapariam de polêmicas, especialmente com conteúdo lírico sugestivo, como é de se imaginar, especialmente naquela década. Em Tormentor Of Christian Souls, temos uma mensagem direta e impactante que salta os olhos pela forma tão sincera que o conteúdo lírico menciona o desprezo dos membros pelo cristianismo, até por passagens que mencionem um certo nível de crueldade e sadismo, mas convenhamos: para uma religião que por séculos castrou a criatividade de tantas mentes brilhantes e criaram culturas dogmáticas destrutivas ao redor do globo, bala trocada certamente não dói. Mesmo assim, a gravadora optou por censurar o conteúdo lírico dessa no encarte a fim de evitar demais problemas futuros. Por óbvias razões, não é de se esperar que até mesmo a segunda faixa que compõe a obra também fosse alvo dessas discussões entre os mais conservadores, colocando em debate novamente a polêmica envolvendo o satanismo cujo o gênero foi, a partir de um senso comum, conhecido logo alguns anos antes.

Gods Of Darkness Festival em 1997
Gods Of Darkness Festival em 1997

Foi um ano de grandes oportunidades aos noruegueses, especialmente quando se tem uma gravadora mais experiente como a já mencionada antes, Nuclear Blast, que ajudou a pavimentar o caminho da banda não apenas à um reconhecimento mainstream, como também mostrar-lhes o caminho para as Américas que tinham entrado no gosto intenso e mórbido do Black Metal vindo da Europa. Tendo um continuo apoio de uma aliança em que dura até os dias de hoje, viabilizaram também a disponibilidade do catálogo anterior ao colocarem o primeiro disco do grupo relançado sobre o catálogo da própria, incluindo a arte da capa (extraída do livro Idílios do Rei, feita por Gustve Doré), que antes em preto e branco, agora passava a ser colorida e contendo no disco faixas exclusivas do EP Inn i evighetens morke como conteúdo bônus. Além de também, é claro, um VHS em split com o Dissection, que continha trechos ao vivo das apresentações no Live Music Hall em Cologne (Alemanha), durante a mega tour Gods Of Darkness Festival que reuniu não apenas essas duas, como In Flames que já fazia parte da NB e também o Cradle Of Filth fechando as noites.

Esse disco trouxe as massas um gênero que, até pouco tempo era um tanto obscuro e conhecido muito mais pelas polêmicas do que a complexidade e nuances da sonoridade vindas de suas bandas que o representavam, e principalmente ajudou a trazer um público que era um tanto relutante, ainda mais por conta da proximidade pelas letras, agora em inglês ao invés do poético norueguês em que antes a banda costumava compor. Sendo assim, é um disco obrigatório, especialmente para quem está começando a se aventurar pelo Black Metal e procurar algo que, mesmo com fácil assimilação, não perde como componente a intensidade do que o faz, seja com tremolo picking e blast beats até falar chega, além de principalmente a teatralidade e obscuridade da imagem de choque que faz esse meio ser o que é. Se ainda está em duvida, e não vê nada além do lo-fi como a forma única que compõe esse tipo de coisa, sinto muito, mas está perdendo aqui a experiência da vida!

Ouça abaixo o álbum:

Autor

  • Maurício Silva

    Maurício é um rapaz que cresceu com pais músicos e sempre com um ouvido aberto e atento, desde o mais clássico até mesmo o mais extremo. Fã declarado e incondicional de Sepultura, Emperor, Alice In Chains e Dimmu Borgir.

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