Noruega, um país localizado na península escandinava conhecido por fazer parte da zona da meia-noite, onde a escuridão é um breu tão profundo a níveis assustadoramente claustrofóbicos que até mesmo as correntes marítimas são traiçoeiras por aquelas bandas. Geralmente, a temperatura média anual é de -3,1 °C, chegando à máxima de 25 °C – não impedindo um inverno prolongado e rigoroso de deixar em maus lençóis o estrangeiro mais avisado sobre o clima e as surpresas de tal majestosa e assustadoramente vasta geografia.
Entretanto, o frio intenso e o escuro dominante são apenas dois elementos que, mesclando com um produto de exportação local tão sombrio quanto, o verdadeiro black metal norueguês, tornam a região uma enigmática e tenebrosa aventura nos confins da morte, desespero e triunfo das trevas quando o eclipse lunar noturno cobre as planícies da Escandinávia.
Em meados de 1993, mais precisamente em julho daquele ano, onde o verão intenso e o calor europeu tomavam conta do hemisfério norte, o Emperor voltava de uma recém-feita turnê com o Cradle Of Filth, ou para os mais íntimos da história do black metal e fãs declarados do gênero, da famosa “Fear of a Black Metal Planet Tour” (uma alusão ao álbum “Fear of a Black Planet” do grupo americano de Hip-Hop Public Enemy) no Reino Unido, afim de promover o primeiro EP lançado em maio, já direto para Noruega para gravação do primeiro full-length “In The Nightside Eclipse”, que contaria com a formação fixa de Ihsahn (Vegard Sverre Tveitan), Samoth (Tomas Thormodsæter Haugen), Faust (Bård Guldvik Eithun) e Tchort (Terje Vik Schei), que substituiu a posição no baixo de Mortiis (Håvard Ellefsen) no começo daquele ano após uma saída amigável entre ambas as partes.
Bergen, a cidade natal dessa banda, ficava localizada a quase 500 km de Oslo, onde deveriam começar as gravações no Grieghallen Studio sob a tutela do produtor Pytten (Eirik Hundvin), que já havia trabalhado anteriormente durante essa primeira metade da década de 90 com outros membros do Inner Circle (ou a panelinha do ‘verdadeiro black metal norueguês’) em outras trabalhos de respectivas bandas.

A sonoridade e também a capa (desenhada pelo artista sueco Necrolord) faziam jus ao título na qual esse trabalho recebia, tanto quanto ao conteúdo lírico, que chega a ressaltar os olhos por tamanho detalhe e profundidade nessas letras, especialmente se lembrarmos que foi um trabalho inteiramente orquestrado por adolescentes na época, incluindo a diversidade e complexidade de riffs que faziam tempos quebrados e passagens neoclássicas transportadas para guitarra elétrica.
Uma grande surpresa tanto para aquele cenário, como também a cena metálica da época, especialmente do metal extremo que já andava consideravelmente redundante e consideravelmente repetitiva e tediosa até certo ponto.
O personagem que leva o nome da banda é constantemente repetido em certas passagens líricas do LP, incluindo em lançamentos futuros que essa lançaria com o passar dos anos. Segundo Ihsahn, todo o conceito desse faz parte de um conglomerado criado pela idealização da ‘lore’ criada por Mortiis antes desse sair da banda, já considerando também sua participação na criação de letras como “Cosmic Keys To My Creations & Times” e de “I Am The Black Wizards” – sendo que na primeira citada, o majestoso e tirano protagonista contempla seu reino recém-conquistado, desde tenebrosas criaturas que espreitam até a vastidão geográfica de tudo o que a lua toca naquela vastidão territorial de seu pertencimento.
A segunda, menciona como uma figura obscura se exalta ao se considerar um lorde de todos os feiticeiros e agentes das trevas que juntos eram a junção de um só corpo e maligno espírito – um residente de Jerusalém talvez não goste da concorrência. Escrita por Ihsahn, “The Majesty of the Nightsky”, continua a descrição dessa contemplação protuberante desse reinado, dessa vez, dando destaque às planícies gélidas e sombrias do norte da Europa, enquanto “Inno A Satana” descreve a adoração dessa figura, seja ela uma simbologia tanto a satanás por sua perversidade como também a sua grande sabedoria.
A descrição de grandes territórios e da bela natureza norueguesa é muito comumente descrita por bandas que faziam parte daquele cenário, muito além de qualquer conceito da mitologia nórdica ou da figura de linguagem ao se utilizarem do satanismo para seus conceitos, se olharmos com mais clareza, uma das bandas colegas de meio como o Immortal faziam bastante uso dessas descrições geográficas, assim como Enslaved, Burzum e até outras que vieram pouco tempo depois como Kampfar e Windir.
Precisamos lembrar que contos da Terra Média de uma forma geral, escritos por Tolkien, assim como literatura gótica sombria como “Drácula” de Bram Stoker e as planícies dos Cárpatos em regiões romenas serviam de inspiração para a criação de tais conteúdos, especialmente se correlacionados à obra descrita nessa resenha em questão. A interpretação, é claro, sempre ficava ao leitor e ouvinte que tinha o álbum em mãos, uma vez que a experiência sempre foi o ponto principal de todos os petardos musicais dessa cena de uma forma geral. Com o passar do tempo, conforme iam ficando mais velhos, as letras ganhavam uma extensão mais filosófica voltada à quebra de status quo de natureza niilista à complexidade do personagem ‘imperador’, chave que a banda foi construindo com o passar dos anos.
EM TERMOS TÉCNICOS de produção, entretanto, “Nightside” é um caos – não pela idealização do caos sonoro intencional da época, mas também pela confusão causada por atrasos de diversas naturezas que acabaram por arrastar o lançamento desse, que originalmente deveria ter sido em 1993, tal que justificava inconsistências aqui e ali em sua mixagem.
A data do dia 21 de fevereiro é um mito criado muito provavelmente pela própria internet, ou no mais esperançoso, por fãs seguidores do estilo com o passar dos anos, é necessário entender que a forma de acesso na qual você está usando para ler dessa matéria não era de tamanha rapidez que distribuía com facilidade informação à todos.

Ihsahn recorda que “The Majesty of the Nightsky” precisou ser remixado mais de 17 vezes até que chegasse a um ponto satisfatório. Fora a questão das distâncias entre cidades citadas anteriormente, havia uma grande expectativa sobre esse, uma vez que era o primeiro grande trabalho após o lançamento do EP autointitulado. As outras faixas também recebiam o mesmo tratamento, e conforme o nível de frustração e insatisfação eram uma realidade para um trabalho ora promissor onde a busca por excelência sem cogitação de falhas era regra indispensável, principalmente se considerarmos que o vocalista/guitarrista líder Ihsahn sempre teve natureza perfeccionista em estúdio, sendo esse um rumor dito em certas entrelinhas como um catalizador para a separação da banda em 2001, além das tais ditas diferenças criativas.
Mas um dos fatores técnicos e práticos para tal atraso se soma com o fato de ¾ da banda se encontrarem atrás das grades no ano de 1994 após os feitos de tais atividades ‘extracurriculares’ do Inner Circle dois anos antes. Samoth cumpria pena de 4 meses, que foi encurtada para apenas 2 por participar da queima de igrejas, assim como Faust, que não teve a mesma sorte, pegou 14 anos de pena pelo assassinato brutal de Magne Andreassen, um homem homossexual de 33 anos de idade, além de sua participação no churrasco nórdico coletivo ao usar madeira de natureza cristã para seus feitos. Entretanto, precisamos levar em consideração a idade não apenas de Faust, que era de 19 anos de idade na época, como também do restante, que ora se encontravam entardecer da adolescência, ora na primeira metade da vida de jovens adultos. Segundo os autos, tal ocorreu pelo seu interesse em histórias de serial-killers e sua vontade de repetir o ato, logo, não pode se considerar um crime de natureza homofóbica, apesar das semelhanças e características particulares que criem tal desconfiança.
Durante as sessões dos interrogatórios, não apenas ele cooperou com a investigação ao delatar o ex-amigo Varg Vikernes pelo assassinato de seu melhor amigo Euronymous (Øystein Aarseth), guitarrista líder e mentor da polêmica banda Mayhem, mas também durante a própria pena em cumprir com o programa de ressocialização norueguês para detentos, resultando em saídas temporárias com o passar dos anos até sua saída pela redução de pena no final do ano de 2002 / início de 2003, tendo seu objetivo como a música como catalizador e inspirador apenas, se afastando de qualquer ambiente de intenções negativas que o levaram à sua ruína entre 1992-1994, necessário também mencionar a recusa em se manter parte da ‘nova’ formação do Dissection, uma vez que para se manter no grupo liderado por Jon Nödtveidt, precisaria seguir a corrente religiosa satanista imposta, algo que já não fazia mais sentido à sua vida por tempos, sem falar pela similaridade do crime cometido também por esse.
Faust foi um dos primeiros a reconhecer e apoiar o amigo Gaahl (Kristian Eivind Espedal) após se declarar homossexual à revista Rock Hard, um ano após sua saída do Gorgoroth e durante a formação do God Seed em 2008.
Já Tchort? Roubou uma pequena estátua do cemitério em que tiraram a sessão de fotos que parou na contracapa do álbum, ficando preso por um curto período. Assim como Faust, sua permanência na banda não durou para a composição e lançamento do próximo trabalho do grupo e seu foco estava em participações tanto com bandas similares assim como na sua banda de metal progressivo Green Carnation que o tem como mentor e líder desde a concepção.
Segundo Pytten, o fim dos trabalhos só pode ser concretizado em agosto de ’94, considerando o real lançamento em dezembro daquele mesmo ano, ainda mais considerando contratos e propostas feitas tanto à Ihsahn para a distribuição internacional como à Candlelight Records, na qual mantém parceria profissional até hoje em sua carreira solo mesmo depois do fim do Emperor no início do novo milênio. Por aqui no Brasil, o disco foi lançado sob a tutela da Hellion Records em sua prensagem global, sendo essa conhecida por também ter realizado naquela época lançamentos de outros trabalhos de bandas similares em seu catálogo, assim como a raríssima prensagem em vinil de “Live In Leipzig” do Mayhem, lançado originalmente no ano de 1993, com direito à duas gravações de estúdio do falecido vocalista Dead (Per Yngve Ohlin), que tirou sua própria vida no ano de 1991 devido o avanço da síndrome de Cothard que o atormentava.
Uma prensagem em CD foi lançada em 2006 pelo selo curitibano Black Metal Attack Records que acabou fechando as portas poucos anos depois, contendo covers de Bathory (“A Fine Day To Die”) e Gypsy (Mercyful Fate) como bônus extras, baseado no relançamento remasterizado de 1999, lançado tanto pela própria Candlelight como também para o selo Century Black, setor paralelo da gravadora alemã Century Media que era responsável por lançar material mais ‘obscuro’ europeu para a América do Norte durante a década 90, incluindo as do próprio cenário de onde o Emperor veio.

O LEGADO DE “In The Nightside Eclipse” pode ser notado em diversos trabalhos e bandas do subgênero Symphonic Black Metal, na qual divide a categoria com bandas primas como Dimmu Borgir, Cradle Of Filth e Limbonic Art. Geralmente é tido pelos fãs como um dos trabalhos mais influentes do gênero e também por apresentar a um público ‘mainstream’ juntamente das outras duas primeiras citadas um som mais extremo, porém, com pitadas bem mais melódicas e obviamente, com a sinfonia no talo vinda dos sintetizadores, como diz a nomenclatura da própria categoria em que se encontra.
Embora, ei de mencionar – é um dos trabalhos proeminentes que de fato mostrou ao mundo o que aquele cenário poderia mostrar, ainda mais tão desconhecido para o metal comercialmente e tão improvável quanto o Brasil foi durante o final da década de 80 para a de 90 quando bandas influenciadoras para o estilo como Sepultura e Sarcófago começaram a mostrar sua marca internacionalmente de forma ainda mais vasta. Entretanto, deve-se considerar que em termos de evolução musical e de composição, o seguinte é tido ao que vos fala como o definitivo da banda, o semi-sinfônico e extremamente barulhento “Anthems to the Welkin at Dusk”, lançado no ano de 1997 e já mostrando cara nova para os noruegueses, com direito a um videoclipe em rotação na MTV para a faixa “The Loss And Curse of Reverence”. E mesmo também tendo uma mixagem um tanto conturbada quanto seu antecessor, ainda assim, consegue dar novos ares e uma sensação de um ‘fim’ de limitação às amarras que prendiam os primórdios com o conteúdo lírico que era comum entre seus semelhantes, como já mencionado antes sobre as inspirações filosóficas e literárias que seguiam a orquestração da discografia do grupo vindo de Bergen.
No ano de 2014, o grupo anunciou a participação em festivais de verão na Europa para a celebração de vinte anos do lançamento desse petardo, que outrora, recebia críticas mistas em revistas especializadas, cheios de bufões patéticos com visão centro-americanizada do meio sobre como fazer metal durante a sua época de primeiras percepções, recebendo também uma edição remixada e remasterizada por parte do produtor Jens Bogren (que inclusive, já trabalhou com os nossos Sepultura e Angra anteriormente), expandindo o legado já merecido desde cedo. Honestamente, é um trabalho impecável de restauração, mas que se percebe uma limpeza que ora preserva o som ‘necro’ original, porém, parece tirar um tanto da ferocidade da primeira prensagem em vinil e CD distribuídas entre 1994-1995, não à toa, considerada por razões bem óbvias como a melhor versão desse… muito também precise admitir que acabou melhorando um tanto das reminiscências da famigerada Guerra do Volume que infelizmente não deixou de afetar também o “Nightside”, às vezes, um homem tem de aceitar sua derrota no argumento.

Se tratando de tempos pateticamente moralistas e punitivistas advindos de quem tem teto de vidro e falta de arrependimento pelos próprios atos, era de se esperar que a decisão de trazer Faust para esses shows de celebração do álbum em que próprio tocou, logo, teve sim seu direito de fazer parte dessa, iria causar um rebuliço midiático e também moral que provou que, às vezes, a internet em tempos de conexão discada e grupos de fóruns fechados era a melhor opção de viver livremente sem ter alguém lhe ditando moral que não lhe convém.
Muito apesar de não ter participado de datas no Japão devido a questões da imigração com antecedentes criminais, conseguiu fazer parte de todos os festivais de verão agendados da turnê, o que especula como um dos motivos para uma falta de turnê norte-americana também, já somando um histórico de problemas com a própria banda em relação ao visto de Samoth e de outras bandas daquele meio de uma forma geral. Para se ter uma ideia, Joey Jordison (Slipknot) foi membro substituto de Frost (Kjetil-Vidar Haraldstad) para as turnês do Satyricon de 2004 até 2009 justamente por conta de uma pena de duração mínima recebida em 1995 por conta de uma briga de bar, o que deixa um tanto pasmo se isso seria realmente motivo para impedir alguém de entrar em um país, assim como qualquer outro que não envolva uma real ameaça de terrorismo.
Agora em maio, um ano após o aniversário de 30 anos da vinda ao mundo de “Nightside”, a celebração é levada à América do Norte, com direito à abertura de três bandas icônicas do gênero oriundas do cenário americano, como Wolves In Throne Room, Wayfarer e Agalloch, considerando que a última está celebrando de shows cuidadosamente seletos de sua reunião desde 2023 após o fim abrupto dessa em 2016 após diferenças pessoais e logísticas.
É NECESSÁRIO REFLETIR também que legado, não é sinônimo de trocentas cópias fazendo o mesmo trabalho que um grupo de 34 anos realizou há 31 anos atrás ou qualquer outra relativa a essa. Na época, embora sua ascendente popular na segunda metade dos anos 90 que levou a sonoridade a patamares mainstream que acabou afastando diversos fãs e seguidores das antigas do gênero, ou pelo menos à procurar outras do próprio que ainda mantivessem a chama de um som 100% lo-fi ou pelo menos extremo até o último segundo que fechasse um álbum, já evidenciava surgimento de imitadores, se até mesmo o Melodic Death Metal do país vizinho e sueco já estava sofrendo de suas variações baratas com o passar do tempo ou até mesmo outros gêneros e movimentos do continente norte-americano também estivessem passando pelo mesmo para encher o bolso de engravatados, o que diria das bandas que permeavam tanto a segunda onda ou que pelo menos, traziam essa possibilidade sonora ‘acessível’ a um som que jamais pisaria numa AM, quanto mais em certas FM, ainda mais hoje com tanto patrocínio de marcas vazias e que seriam hoje caricaturas de seu próprio passado.
Em tempos de terceira onda do black metal, ou como poderíamos entender como a era do blackgaze, eu gostaria de continuar vendo bandas desse gênero em questão fazendo seu nome em suas propostas originais e não tentando resgatar uma sonoridade do passado que não faz sentido às suas propostas e visões além das próprias inspirações dos primórdios. Afinal, acredito o Deafheaven e o Alcest vão lembrar gerações futuras como foi a escola de sua própria era nesse gênero que agora se encontra na linha dos 40’s de existência.
Céus e terras passaram, mas nada vai deixar que o brilho e o caos do eclipse lunar noturno deixem de tomar espaço das consequências causados pelo arauto de tudo o que é nefasto e sombrio, daquele que já morreu milhares de mortes e ainda prevalece em evidência, o imperador.
“Quem luta contra monstros deve ter cuidado para não se transformar em deles” – Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Deixe um comentário