No dia 21 de maio de 2010, um jovem australiano chamado Kevin Parker lançava seu primeiro álbum de estúdio, batizado de “Innerspeaker”. Na época, poucos poderiam imaginar que aquele disco, gravado em uma casa isolada no litoral da Austrália, mudaria os rumos da música alternativa na década seguinte.
O que parecia ser apenas mais um registro independente logo se transformou em assunto de discussão em publicações especializadas, fóruns de internet e, rapidamente, atravessou fronteiras que nem o próprio Parker parecia acreditar que seriam possíveis.
Naquele mesmo ano, veículos como Pitchfork, NME e Rolling Stone destacaram “Innerspeaker” entre os melhores lançamentos. E não era para menos. As onze faixas traziam uma mistura de psicodelia dos anos 60, rock alternativo e experimentações que pareciam desafiar os padrões da música pop moderna e fortaleceu uma cena psychedelic rock revival.
O som, carregado de reverberações, delays e guitarras com muito fuzz, não escondia suas referências a bandas como The Beatles, especialmente na fase de “Revolver” e “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, além de ecos de Cream, Pink Floyd e Supertramp. Mas, ao mesmo tempo, apontava para algo completamente novo.
Kevin Parker, que na época tinha apenas 24 anos, produziu, gravou, tocou todos os instrumentos e ainda mixou o álbum praticamente sozinho. A exceção ficou por conta da masterização, feita por Greg Calbi, conhecido por trabalhar com Paul Simon, Bruce Springsteen e John Lennon.
O processo criativo de “Innerspeaker” começou de forma despretensiosa, quando Parker, ainda tocando com a banda Pond, começou a experimentar gravações caseiras em seu quarto. Aos poucos, percebeu que aquele material poderia tomar outro rumo.
O resultado dessa escolha aparece logo nas primeiras notas de “It Is Not Meant to Be”, faixa de abertura que, com sua linha de guitarra hipnótica, já anuncia o clima onírico do álbum.
A construção sonora do disco é pensada nos mínimos detalhes. O uso intenso de pan (movimentação dos sons entre os canais esquerdo e direito) cria uma sensação de viagem auditiva que se intensifica com fones de ouvido. Parker não apenas compôs músicas, mas arquitetou paisagens sonoras.
Faixas como “Desire Be Desire Go” e “Expectation” apresentam baterias que soam quase como mantras, linhas de baixo robustas e guitarras que parecem flutuar no espaço. Tudo isso embalado por vocais com muito reverb, que soam distantes, quase como uma lembrança.
Mas o que exatamente fazia “Innerspeaker” soar tão diferente em 2010?
Naquele momento, a cena alternativa estava bastante dominada por sons eletrônicos, indie rock dançante e revivalismos dos anos 80. Bandas como MGMT, Passion Pit e Foster The People ganhavam espaço com synths vibrantes e refrões grudentos.
Ao mesmo tempo, a psicodelia começava a dar sinais de retorno, mas ainda de forma tímida. MGMT, por exemplo, havia surpreendido o mercado com “Time to Pretend” e “Electric Feel”, abrindo caminho para um resgate de sonoridades mais viajantes.
Quando “Innerspeaker” chegou, ofereceu algo que parecia faltar: um respiro analógico, orgânico, com texturas que remetiam às gravações em fita, às imperfeições e às camadas sobrepostas manualmente, sem o uso excessivo de plugins digitais.
A crítica rapidamente percebeu isso. A Pitchfork classificou o álbum com nota 8.5, descrevendo-o como “um trabalho que parece ter saído de uma cápsula do tempo, mas que soa incrivelmente atual”. Já a NME afirmou que ‘Innerspeaker’ “reacende o espírito da psicodelia sem soar como uma caricatura”.
O próprio nome do disco reflete a proposta de Parker. “Innerspeaker” poderia ser traduzido como “falante interno” ou “alto-falante da mente”. A ideia, segundo o músico, era simular o som da própria consciência, uma conversa consigo mesmo, feita de ecos, repetições e reflexões.
Em “Solitude Is Bliss”, uma das faixas mais conhecidas, Kevin canta sobre o prazer da solidão, algo que, segundo ele, foi fundamental no processo de composição. “There’s a party in my head and no one is invited”, diz o verso, que se tornou quase um manifesto pessoal.
O disco também se destaca pela maneira como as músicas se conectam. Ao contrário dos trabalhos seguintes, que optariam por cortes mais secos ou fade outs tradicionais, Innerspeaker foi pensado como uma sequência contínua, onde uma faixa emenda na outra de forma quase cinematográfica.
O álbum foi gravado ao longo de 2009, mas seu lançamento acabou adiado para maio de 2010 devido ao tempo necessário para mixagem e finalização. Kevin Parker passou meses ajustando detalhes, muitas vezes refazendo completamente sessões inteiras porque não estava satisfeito com o resultado.
Ao ser lançado, “Innerspeaker” não só colocou o nome do Tame Impala no mapa, como também serviu como uma espécie de catalisador para uma nova geração de bandas psicodélicas. Grupos como King Gizzard & The Lizard Wizard, Unknown Mortal Orchestra, Pond e até os brasileiros do Boogarins começaram a ganhar mais atenção no cenário internacional.
O sucesso também abriu portas para Kevin Parker transitar entre diferentes gêneros. Nos anos seguintes, ele colaboraria com nomes como Mark Ronson, Lady Gaga, Travis Scott e The Weeknd, levando sua estética sonora para o pop, o hip hop e até a música eletrônica.
Mas, se hoje o nome Tame Impala é sinônimo de grandes festivais como Coachella, Glastonbury e Primavera Sound, isso só foi possível porque um dia existiu “Innerspeaker”.
O álbum não foi apenas o início de uma carreira, mas também uma espécie de manifesto sobre a possibilidade de se criar música complexa, experimental e, ao mesmo tempo, acessível a diferentes públicos.
Curiosamente, Kevin Parker não esperava esse tipo de repercussão. Em entrevistas feitas nos anos seguintes, ele sempre destacou que fazia música, acima de tudo, para si mesmo. “Bebíamos, fumávamos maconha e íamos à praia. A música que eu fazia era uma trilha sonora para o que eu estava vivendo.”, contou em entrevista a Billboard em 2015.
O tempo, no entanto, mostrou que aquele som, inicialmente pensado como um exercício pessoal, encontrou eco no mundo inteiro.
Quando o álbum completou 10 anos em 2020, Kevin comentou em suas redes sociais que ainda se emocionava ao ouvir as gravações daquela época. “Foi um período muito intenso da minha vida. Eu estava tentando entender quem eu era, tanto como pessoa quanto como músico”, escreveu.
Agora, em 2025, o disco chega aos seus 15 anos mantendo sua relevância. Continua sendo apontado por críticos, fãs e músicos como uma das obras mais importantes da música psicodélica contemporânea.
Talvez um dos maiores méritos de “Innerspeaker” esteja no fato de ter quebrado uma série de barreiras. Mostrou que não é preciso estar em grandes centros, nem ter acesso aos estúdios mais caros, para criar algo que dialogue com o mundo inteiro.
O sucesso do disco também pavimentou o caminho para que álbuns seguintes, como “Lonerism” em 2012, “Currents” em 2015 e “The Slow Rush” em 2020, levassem o Tame Impala para patamares cada vez mais altos, tanto em termos comerciais quanto artísticos.
Se em Innerspeaker Kevin mergulhava nas texturas psicodélicas, em “Lonerism” ele expandiria essa abordagem para sintetizadores e estruturas mais pop, sem perder a essência experimental. Já em “Currents”, a transição seria ainda mais radical, abraçando o R&B, o hip hop e o synthpop.
Ainda assim, para muitos fãs, o primeiro disco carrega uma pureza e uma energia difícil de replicar. Talvez porque represente aquele momento em que tudo ainda era uma descoberta, uma exploração sem mapas, onde cada som, cada efeito e cada melodia carregava a expectativa do desconhecido.
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