Lançado em 1995, o filme Kids, de Larry Clark, completa 30 anos em 2025. Produzido com orçamento reduzido e atores desconhecidos, o longa tornou-se símbolo de uma geração inquieta e desamparada.
Sua narrativa acompanha um grupo de adolescentes em Nova York em meio a festas, drogas, sexo e violência cotidiana. O enredo gira em torno de Telly, um jovem obcecado por fazer sexo com garotas virgens, e da busca de Jennie por respostas.
Após descobrir estar infectada com HIV, Jennie tenta encontrar Telly antes que ele transmita o vírus a outra garota. Mais do que a trama linear, o filme se destaca pelo retrato direto de uma juventude negligenciada por adultos e instituições.
Não há lições morais claras, nem conforto dramático: apenas o registro cru do cotidiano de adolescentes à deriva. As cenas foram filmadas em locações reais, com câmera na mão, linguagem documental e ritmo de quase improviso.
Larry Clark, o diretor, já havia explorado temas semelhantes em seus livros fotográficos “Tulsa” (1971) e “Teenage Lust” (1983). Nessas obras, ele registrou jovens envolvidos com drogas, violência e vidas precárias nas margens da sociedade americana.
Kids surgiu como uma espécie de continuação desses projetos — agora com movimento, som e vozes. Em entrevista à Vice, Clark resumiu o objetivo do filme: “Era como colocar a câmera no meio do furacão”.
O roteiro foi assinado por Harmony Korine, então com 19 anos, também parte do universo que o filme retratava. Korine cresceu entre skatistas e jovens de rua, e ofereceu uma perspectiva interna, com diálogo realista e ritmo urbano.
O elenco era formado por amigos e conhecidos do diretor e do roteirista, como Leo Fitzpatrick, Rosario Dawson e Chloë Sevigny. Nenhum deles era ator profissional, o que conferiu às cenas uma naturalidade que desafiava as convenções do cinema comercial.

A trilha sonora, organizada por Lou Barlow e John Davis (do Sebadoh), ampliou o tom cru da produção. Canções de Daniel Johnston, Folk Implosion e Slint contribuíram para a atmosfera instável e introspectiva.
Ao ser exibido no Festival de Cannes em 1995, o filme gerou controvérsia imediata por seu conteúdo gráfico. Nos Estados Unidos, a distribuidora teve que lançar o filme de forma independente, sem o selo da Motion Picture Association.
Apesar das críticas de grupos conservadores, Kids encontrou eco entre o público jovem e em parte da crítica cultural. Roger Ebert, em sua resenha no Chicago Sun-Times, escreveu que o filme era “uma obra de observação, não de julgamento”.
Ao longo dos anos, Kids foi redescoberto por novas gerações interessadas na representação realista da juventude. Seu tom direto e sua recusa em oferecer explicações o diferenciam de outras produções voltadas ao mesmo público.
O filme não tenta ser didático ou redentor. Apenas observa, com uma câmera firme, um universo negligenciado. A representação do HIV, da homofobia, do racismo e da violência sexual ocorre sem filtros ou metáforas.
Com isso, Kids entrou para o imaginário da cultura independente como um dos registros mais brutais dos anos 1990. Três décadas depois, ele permanece desconfortável, não porque envelheceu mal, mas porque ainda provoca e incomoda.
Em um contexto atual de redes sociais e vigilância constante, a franqueza do filme talvez soe ainda mais radical.
Kids completa 30 anos mantendo a mesma pergunta silenciosa que o atravessa desde a primeira cena: quem está olhando?