É bom estar de volta!
Gosto de imaginar a identidade como um quebra cabeças, um conjunto de peças encaixadas que juntas formam uma grande imagem que entendemos como nosso “eu”. O tempo passa, algumas peças envelhecem, outras são trocadas, outras ganham novos sentidos, mas algumas permanecem no mesmo lugar.
Em 2006, adolescente, eu procurava algumas dessas peças, como um livro de cabeceira, um filme inesquecível e afins. Quando o assunto era música, os caminhos na minha escola eram gostar principalmente de rap e de heavy metal. Alguns desajustados ouviam outras coisas, claro, e pouca gente conhecia Oasis para além de Wonderwall, quem sabe o clichê mais bonito feito na nossa geração.
Era regra ter uma banda favorita, e eu queria escolher a coisa mais desajustada entre os desajustados. Quando se é jovem ninguém quer ser igual a ninguém, e eu, nerd educadinho, não tinha absolutamente nada a ver com os irmãos Gallagher.
Quem sabe por isso a gente se deu tão bem. A música do Oasis representava algo que me faltava. Ouvir aquelas canções era como brigar na rua sem precisar arrumar encrenca. Era como se rebelar contra alguma coisa, mesmo que, do alto dos meus privilégios, essa alguma coisa não existisse.
Era sentir como é ter um irmão, sem nunca ter tido um.
Não era só a música, claro. A estética meio desleixada daqueles caras contrastava de um jeito maravilhoso com capas de disco cheia de detalhes, com vídeo clipes cinzentos e friorentos que de certa forma lembravam o sul gelado onde nasci. Depois, as coisas ficaram mais coloridas, bem-vestidas, mas ainda atraentes.
Foi assim que o Oasis se tornou a minha banda. Aquela, cujas músicas me fariam acordar quando precisasse de energia, que embalariam os momentos melancólicos, que me fariam reencontrar a juventude sempre que sentisse saudades.
Em 2006 eu era adolescente demais pra sair do Sudoeste do Paraná e ir até São Paulo ver aquele show para o qual cheguei até a desenhar uma excursão imaginária. Em 2009 já era adulto o suficiente, e Curitiba era logo ali.
O show da Arena Expotrade já mostrava que havia alguns cansaços naquela turma. Era a turnê de um disco maravilhoso, “Dig Out Your Soul”, que reconectava a banda com seus momentos mais barulhentos, depois de alguns trabalhos mais, digamos, emocionais.
Ainda assim, foi maravilhoso ouvir de perto as canções que emocionaram meus momentos privados. Melhor ainda foi poder compartilhar o momento com mais gente que também já havia se emocionado sozinha.
Eram tempos em que o show acabava com “I am the Walrus”, que ouvi de costas, indo embora pra conseguir pegar o ônibus e não amargar uma madrugada na rodoviária. Dois meses depois, o Oasis acabou.
Vieram Beady Eye, High Flying Birds, discos solo, coletâneas, trabalhos que mantiveram aquela energia primal viva ao longo do meu amadurecimento, só que pela metade. Separados, Liam e Noel são talentosos. Juntos, são raras forças da natureza.
Dezesseis anos depois, é nítido como o amadurecimento também bateu à porta daquela rebeldia. Claro que um par de dívidas gordas faz valer a pena qualquer reconciliação, mas aparentemente esse retorno não é só sobre isso.
A energia e o entrosamento de um Oasis com mais de 30 anos de história mostra que não foram apenas os fãs que aproveitaram esse reencontro.
Liam, Noel, Bonehead (Emoji de coração), Gem, Andy, estão extravasando a memória de algo que lhes fez muito bem. O show do dia 22 de novembro de 2025, São Paulo, Morumbi, foi pura energia, hit atrás de hit. O maior fã já estava cansado na metade (falo por mim, claro), pois tudo de melhor já havia sido tocado e ainda havia mais por vir.
Muito do melhor já havia subido antes ao palco, com Richard Ashcroft. Esse show de abertura foi um presente, curto e certeiro. O The Verve sempre me soou como uma versão acadêmica do Britpop. Era a banda que ficava na biblioteca, divagando sobre a profundidade da vida enquanto as gangues bebiam e se estranhavam do lado de fora.
Ali já teve lágrimas. The Drugs Don´t Work, Lucky Man e o monumento Bitter Sweet Symphony, quem sabe a maior canção dos anos 1990, quem sabe a canção que encerrou o Século XX. Foi um presente para a nossa nostalgia, que quando ouviu Urban Hymns pela primeira vez, até sentiu que a vida poderia ser sofrida mas que o futuro daria certo.
Depois dos chutes na porta da primeira parte matadora do show, pois “Oasis vibes in the area”, a trinca Talk Tonight, Half the World Away, Little By Little foram uma covardia com os mais emocionados. Ainda que Don´t Look Back in Anger seja a grande balada reflexiva da banda, é no triunvirato do início desse parágrafo que o Gallagher mais velho consegue emocionar até a alma do hooligan mais mal humorado.
“Anger” é para Sally, Talk Tonight é sobre qualquer um que já foi salvo por alguém, ou seja, sobre todo mundo.
Não há palavra melhor para descrever o setlist dessa turnê do que impecável. Não havia nada fora do lugar, não faltou nada do essencial para uma reunião, para um circuito de encontros feito para que lembrássemos do que nunca esquecemos.
Reunião dos músicos, sim, mas em essência dos “desajustados” ao redor do mundo que não são tão poucos como eu imaginava aos 16 anos de idade. Hoje, as redes sociais me deixam ver em detalhes a multidão que estava naquele estádio, inclusive, ver aqueles que são meus vizinhos.
É bom ver vocês de volta, rapazes, e é muito bom estar de volta.
Nota de rodapé: Em memória do meu grande amigo Felipe Corrêa, que admirava minha coleção de Cds do Oasis. Você ia adorar estar lá conosco.





Crédito das fotos: Nelson Jr.



