A canção mais ousada do Roxy Music, segundo Brian Eno

Luis Fernando Brod
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Roxy Music. Foto: Brian Cooke/Redferns/Getty Images.

Em 1972, em meio à ascensão do glam britânico, o Roxy Music apareceu nas paradas com uma proposta estética singular. Enquanto Bowie e Bolan ainda redefiniam suas personas, o grupo liderado por Bryan Ferry estreava com um som já maduro e provocador.

A estreia no programa Top of the Pops com “Virginia Plain” foi o primeiro passo de uma trajetória incomum, em que referências retrô conviviam com experimentações eletrônicas. No disco seguinte, For Your Pleasure, a tensão criativa entre Ferry e Brian Eno atingiria seu auge — e daria origem a uma das faixas mais radicais da banda.

Lançado em março de 1973, For Your Pleasure consolidava o Roxy Music como expoente do glam rock com aspirações artísticas mais amplas. Ferry buscava melodias elegantes e arranjos sofisticados, enquanto Eno investia em texturas, ruídos e imprevisibilidade. O resultado desse atrito criativo aparece com nitidez em “The Bogus Man”, terceira faixa do lado B do álbum.

Com mais de nove minutos, a música foge da estrutura convencional de canção pop, evocando os improvisos do krautrock alemão, em especial da banda Can. A base repetitiva da bateria e do baixo cria um clima hipnótico, sobre o qual se acumulam saxofones dissonantes, guitarras nebulosas e sons sintéticos processados em tempo real.

A letra sugere a presença de um personagem ameaçador e ambíguo, descrito com frases sutis, quase murmuradas por Ferry. A sensação de vigilância e desejo reprimido atravessa toda a faixa, que parece se arrastar lentamente rumo a lugar nenhum. Andy Mackay reforça o clima de inquietação com seu saxofone sempre no limite da afinação, enquanto o baterista Paul Thompson executa uma batida seca e constante.

Brian Eno manipula seu sintetizador EMS VCS 3 com intervenções pontuais, criando sons metálicos e ruídos que lembram máquinas antigas. Para Eno, essa música representava o ápice da colaboração dentro da banda naquele momento. “Todos os elementos são muito estranhos, mas trabalham juntos para dar a sensação de algo muito incerto seguindo em uma direção incerta”, declarou à revista Sounds em 1973.

E acrescentou: “É provavelmente a faixa de maior sucesso, porque é aquela em que a banda está mais claramente trabalhando em conjunto, e também demonstra muita disciplina.”

Apesar da coesão criativa, Brian Eno deixaria o Roxy Music poucos meses após o lançamento de For Your Pleasure. O músico passou a investir em sua carreira solo, centrada em colagens sonoras e na criação do gênero que viria a ser chamado de ambient.

Já Ferry assumiria o controle pleno do grupo, levando o Roxy Music a uma trajetória mais pop e acessível nos discos seguintes. Mesmo com o sucesso de álbuns como Stranded (1973) e Avalon (1982), a banda nunca mais gravaria algo com a densidade experimental de “The Bogus Man”. A faixa se destaca até hoje como um momento único, em que a banda flertou com o caos de forma calculada e audaciosa.

Dentro da discografia do Roxy Music, “The Bogus Man” funciona como uma chave interpretativa. Ela revela o quanto a banda não se limitava às aparências glamourosas nem ao refinamento estilístico de seus discos mais populares.

É uma faixa que exige do ouvinte uma escuta atenta, não pela complexidade técnica, mas pela maneira como o desconforto é mantido em suspensão. Eno, sempre atento às possibilidades do som como espaço, via nela uma síntese bem-sucedida da tensão criativa do grupo.

Essa perspectiva ajuda a entender por que “The Bogus Man” permanece como um desvio radical na trajetória da banda — um momento em que o pop e o experimentalismo caminharam juntos, mesmo que por pouco tempo.

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