The Stone Roses, uma banda que redefiniu o britpop antes mesmo de ele existir

Quando falamos de décadas marcadas por mudanças culturais, é impossível ignorar o papel da música. No final dos anos 1980, Manchester fervilhava com uma energia cultural única. A cidade, já conhecida por sua cena musical vibrante, via nascer um movimento que misturava o indie rock com o acid house, batizado de “Madchester”. Foi nesse caldeirão criativo que o The Stone Roses surgiu, deixando uma marca tão profunda que, décadas depois, ainda ecoa como um dos maiores fenômenos da música britânica.

O álbum de estreia autointitulado da banda, lançado em maio de 1989, não foi apenas um disco. Foi uma declaração de intenções, uma fusão de gêneros que capturou a essência de uma época. Ian Brown, John Squire, Mani e Reni criaram uma obra que unia guitarras psicodélicas, grooves dançantes e letras que falavam de rebeldia e espiritualidade. Tudo isso embalado em uma produção que soava ao mesmo tempo crua e polida.

O disco foi recebido com entusiasmo pela crítica e pelo público, mas seu impacto foi além das resenhas positivas. Ele se tornou um símbolo de uma geração que buscava identidade em meio às mudanças sociais e culturais da época. Canções como “I Wanna Be Adored”, “She Bangs the Drums” e “Waterfall” não apenas dominaram as paradas, mas também definiram o som de uma era.

Noel Gallagher, do Oasis, foi um dos muitos músicos britânicos influenciados pela banda. “As pessoas esquecem o quão revolucionários eles eram na época. Eu lembro de vê-los quando ainda eram considerados uma banda gótica”, afirmou Gallagher em entrevista. “Mas quando esse álbum saiu, depois de todos os problemas que tiveram, foi perfeito. Quando você ouvia a versão completa de ‘I Am The Resurrection’, parecia que tudo se encaixava. Ian tinha a imagem certa, e Reni e Mani formavam uma das sessões rítmicas mais coesas que já vi.”

O desafio de seguir um clássico

Cinco anos depois, em 1994, The Stone Roses lançou “Second Coming”. Se o álbum de estreia tinha a energia experimental de uma tela de Jackson Pollock, o sucessor soava como uma obra sem direção definida. A pressão e as disputas judiciais com a gravadora Silvertone afetaram o processo criativo. John Squire assumiu a maior parte do controle musical, preenchendo as faixas com solos e arranjos que, em sua própria avaliação posterior, eram excessivos.

“Bem, ninguém quis realmente fazer isso, então no final das contas não foi tão frustrante”, afirmou Squire em entrevista à Guitarist Magazine. O guitarrista admitiu que, se tivesse outra chance, teria abordado a gravação com mais moderação. “Provavelmente teria sido mais contido e respeitoso. Na verdade, gostaria de não ter exagerado na guitarra no segundo álbum.”

A resposta do público e da crítica foi mista. Enquanto algumas faixas, como “Love Spreads”, destacavam-se pela sonoridade mais blues-rock, o disco como um todo carecia da coesão e do frescor do primeiro lançamento. A banda, que parecia destinada a dominar a cena musical britânica, viu sua trajetória se complicar. Pouco tempo depois, Squire deixou o grupo, e, em 1996, o The Stone Roses se desfez.

Uma discografia mínima, uma influência imensa

Mesmo com apenas dois discos, The Stone Roses ocupa um lugar central na história do rock britânico. A banda influenciou diretamente grupos como Oasis, Blur e The Verve, ajudando a moldar o britpop nos anos 1990.

O impacto de sua música se fez sentir por décadas, mas as tentativas de retorno nunca resultaram em um novo álbum. Em 2016, a banda lançou duas músicas: “All For One” e “Beautiful Thing”. Enquanto a primeira trouxe uma abordagem mais direta e com mixagem questionável, a segunda foi melhor recebida, destacando a seção rítmica de Mani e Reni e um trabalho de guitarra mais inspirado de Squire.

Muitos fãs imaginaram que um terceiro álbum poderia estar a caminho. Mas, como de costume na trajetória do The Stone Roses, as expectativas logo se dissiparam. O grupo seguiu com alguns shows, mas anunciou oficialmente o fim da reunião em 2017. Ian Brown seguiu com sua carreira solo, enquanto John Squire voltou a trabalhos mais experimentais, incluindo colaborações com Liam Gallagher.

O brilho de um disco solitário

Poucas bandas são lembradas por um único disco com tanta intensidade quanto The Stone Roses. A força de seu álbum de estreia garantiu um espaço permanente na história da música britânica. O som psicodélico misturado ao groove dançante e à atitude indie se tornou uma fórmula replicada em diversas bandas posteriores.

A influência da banda também ultrapassou a música. O estilo de Ian Brown, com seu corte de cabelo característico e a atitude despretensiosa, serviu de referência para gerações de fãs. Liam Gallagher, por exemplo, frequentemente menciona Brown como uma de suas maiores inspirações.

Por outro lado, a história do grupo sempre levanta uma questão inevitável. Se “Second Coming” tivesse sido melhor recebido, ou se a banda tivesse evitado os problemas legais e continuado lançando álbuns regularmente, o status do primeiro disco seria tão imponente?

A ausência de uma discografia extensa pode ter ajudado a manter a mística da banda. Sem uma sequência de discos medianos, “The Stone Roses” ficou sozinho no centro da mitologia musical do grupo. O que sabemos é que, mais de três décadas depois de seu lançamento, o álbum de estreia do The Stone Roses continua a inspirar novos fãs. Suas canções ainda é executada em festivais, playlists e nos quartos de adolescentes que descobrem a magia da música pela primeira vez. E, talvez, seja essa a verdadeira medida de seu impacto: a capacidade de superar o tempo e continuar a conectar com novas gerações.

Em um mundo onde a música muitas vezes é descartável, o The Stone Roses nos lembra que, às vezes, menos é mais. E que, em raras ocasiões, um único álbum pode ser suficiente para deixar uma marca eterna.

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