Em 1994, o Suede lançou Dog Man Star, um álbum que transcendeu as fronteiras do Britpop e marcou um ponto de virada para a banda, tanto criativamente quanto internamente. Em meio a tensões entre os membros, a saída do guitarrista Bernard Butler e o crescente cenário da música alternativa britânica, o disco se destacou como um trabalho ousado, sombrio e ambicioso.
A aspereza das guitarras do glam rock, o romantismo decadente, o melodrama pop altíssimo e a ambiguidade sexual desempenharam um papel decisivo na formação sonora da banda londrina. Eles fizeram isso ao longo de toda sua carreira. Mas nunca se uniram de forma tão magistral como em Dog Man Star (Nude, 1994), álbum que prematuramente lhes conferiu um lugar entre os grandes nomes do pop britânico de todos os tempos. Grandiloquente, excessivo, profundo, intenso e sensível, representou o grande salto em frente para uma banda que merecia deixar para trás qualquer filiação temporária: o Britpop era claramente pequeno demais para eles.
O processo de gravação de Dog Man Star foi, no mínimo, tumultuado. Enquanto o álbum anterior, Suede (1993), trouxe à banda um grande reconhecimento e a consolidou como uma das líderes do Britpop emergente, Dog Man Star representou uma tentativa consciente de se afastar desse movimento. O frontman Brett Anderson e o guitarrista Bernard Butler estavam determinados a explorar temas mais sombrios e sofisticados, o que acabou refletindo tanto nas letras quanto nas composições.
A relação entre Anderson e Butler, que já era tensa, desmoronou completamente durante as gravações. Butler, que se ressentia da pressão da fama e de diferenças artísticas, deixou a banda antes que o álbum fosse finalizado. A saída de Butler trouxe incertezas sobre o futuro da banda, mas também solidificou Dog Man Star como um testamento da complexidade emocional que estava por trás do Suede. “Bernard e eu estávamos em um ponto onde nossas diferenças eram insuportáveis“, afirmou Anderson em entrevistas retrospectivas. “Mas essa tensão também alimentou a criação de algo especial.“
Butler, por sua vez, já havia demonstrado frustração com a direção que a banda estava tomando. Em uma entrevista concedida em 1994, ele mencionou que se sentia desconectado do resto do grupo: “Eu queria fazer algo mais grandioso, enquanto o resto da banda parecia preso a uma fórmula.”

Apesar de Suede ter sido uma das bandas que inicialmente ajudou a definir o Britpop, Dog Man Star se destaca por sua rejeição das convenções mais típicas do movimento. Enquanto bandas como Blur e Oasis dominavam as paradas com músicas vibrantes e letras celebrando o cotidiano britânico, Suede optou por uma estética mais melancólica e introspectiva.
Anderson já havia comentado em entrevistas da época que não se via como parte integrante do Britpop, afirmando que o álbum era uma reação a essa percepção pública da banda. “Não éramos apenas uma banda de Britpop. Sempre fomos mais sombrios, e queríamos mostrar isso de maneira clara“, disse o vocalista ao NME. E, de fato, Dog Man Star é tudo menos otimista. As letras de Anderson exploram temas como vício, alienação e a decadência da fama, contrastando com o que estava sendo oferecido por outros artistas da época.
Faixas como “The Asphalt World” e “Heroine” destacam a luta interna de Anderson, tanto no nível pessoal quanto no artístico, enquanto “Still Life” — o épico que encerra o álbum — traz uma grandiosidade orquestral que seria impensável em outros discos de Britpop da época.
Musicalmente, Dog Man Star é um trabalho sofisticado e ousado. Butler, antes de sua saída, foi responsável por grande parte da composição, e suas influências, que iam de David Bowie a Scott Walker, são evidentes em todo o álbum. A faixa de abertura, “Introducing the Band”, com seus ritmos experimentais e distorções, prepara o terreno para o que está por vir. Não é o tipo de música para agradar às massas de imediato; em vez disso, é um álbum que exige paciência e introspecção.
“Foi uma escolha deliberada se afastar das convenções do rock britânico da época“, comentou Butler em entrevistas posteriores. “Queria algo mais orquestral, mais ambicioso.”
Essa ambição também pode ser vista na produção do álbum, que contou com arranjos de cordas elaborados e uma sonoridade expansiva, contrastando com o rock mais direto do álbum de estreia. A balada “The Wild Ones” se tornou um dos momentos mais celebrados da carreira da banda, combinando a melancolia romântica de Anderson com uma das melodias mais belas e comoventes de Butler.

A capa e seu simbolismo
A capa de Dog Man Star também reflete a atmosfera sombria do álbum. A imagem em preto e branco, que mostra um jovem deitado em um sofá, é ao mesmo tempo enigmática e perturbadora. Ela transmite uma sensação de decadência e isolamento, capturando perfeitamente os temas líricos explorados por Anderson. A escolha estética da capa, com sua simplicidade e desolação, contrasta com o glamour muitas vezes associado às bandas do Britpop, reforçando a ideia de que o Suede estava em uma direção artística diferente.
Embora Dog Man Star não tenha tido o sucesso comercial imediato que seu antecessor alcançou, ele foi amplamente aclamado pela crítica. A ambição artística da banda, somada ao drama da saída de Butler, transformou o álbum em uma obra de culto ao longo dos anos.
Em retrospecto, o álbum é muitas vezes citado como uma resposta à superficialidade que o Britpop estava começando a representar. Enquanto álbuns como Definitely Maybe do Oasis e Parklife do Blur celebravam a vida cotidiana e a classe trabalhadora britânica, Dog Man Star mergulhava nos aspectos mais sombrios da psique humana. Mesmo não sendo visto como um álbum de Britpop “típico”, seu impacto no movimento é inegável. Ele mostrou que o Britpop não precisava se limitar a temas leves e acessíveis, abrindo portas para álbuns mais experimentais e introspectivos nos anos seguintes.
Para muitos, Dog Man Star é o álbum que define o Suede não apenas como parte do Britpop, mas como uma banda que se atreveu a ir além dos limites estabelecidos pelo movimento.
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