O R.E.M. acabou. Mas isso não significa que ficamos órfãos.

Luis Fernando Brod
6 minutos de leitura
Peter Buck. Foto: Reprodução.

O fim do R.E.M., anunciado em 2011, deixou um vazio difícil de preencher no rock alternativo. Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry haviam construído uma das histórias mais sólidas do gênero, evoluindo do folk-rock etéreo dos primeiros anos para aventuras sonoras e políticas cada vez mais ousadas. Mas, quando uma banda como o R.E.M. se despede, o silêncio raramente é o último capítulo. Peter Buck, guitarrista e cofundador, tem provado nos últimos anos que ainda há muito o que dizer — e, principalmente, o que tocar. Seus novos projetos, Arthur Buck 2 e Drink the Sea, lançados em 2025, mostram que o espírito criativo do R.E.M. continua vivo, mesmo fora do nome.

Buck sempre foi o arquiteto das melodias do grupo — o cara dos arpejos cintilantes, das texturas que equilibravam o jangle com o folk psicodélico. Se Stipe era a voz e a poesia, Buck era o coração instrumental, responsável por dar corpo às emoções das letras. Quando o R.E.M. decidiu encerrar as atividades, ele simplesmente seguiu o curso natural de quem nunca deixou de fazer música: produziu, colaborou, gravou e continuou se movendo, com aquela inquietação que sempre o guiou.

Em 2025, ele reaparece com dois trabalhos que revelam lados diferentes da sua personalidade musical. Arthur Buck 2, parceria com o cantor e compositor Joseph Arthur, marca o reencontro de uma dupla que já havia chamado atenção em 2018 com um disco cheio de boas canções e guitarras afiadas. Desta vez, o produtor é Jacknife Lee, velho conhecido por seus trabalhos com o R.E.M. em Accelerate e Collapse Into Now. O resultado é um álbum coeso, cheio de textura e equilíbrio entre o frescor das composições de Arthur e a elegância das guitarras de Buck. Nomes como Scott McCaughey e Linda Pitmon reforçam o clima de amizade e continuidade entre o guitarrista e seus antigos parceiros musicais.

As faixas de Arthur Buck 2 respiram um rock direto, sem pressa. Há metais em “Sleep With One Eye Open”, backing vocals de Corin Tucker (Sleater-Kinney) e aquele brilho melódico que sempre marcou o som de Buck. O single “Fall In Love With Me” é talvez o ponto exato entre o lirismo de Arthur e a sensibilidade pop que o guitarrista domina com tanta naturalidade. Já em “Where Did You Go?”, as guitarras evocam lembranças de Automatic for the People — não por cópia, mas por afinidade. O disco soa como um aceno ao passado, sem se prender a ele. São canções sólidas, familiares para quem cresceu ouvindo R.E.M., mas cheias de vida própria.

Se Arthur Buck 2 representa a continuidade, o outro projeto de Buck, Drink the Sea, mira o desconhecido. Ao lado de Barrett Martin (Screaming Trees, Mad Season), Alain Johannes, Duke Garwood e outros músicos, ele embarca em uma jornada instrumental e multicultural. Dividido em duas partes — Drink the Sea I e II —, o trabalho reúne 22 faixas que misturam guitarras com instrumentos como oud, sitar, gamelan e marimba, criando um mosaico sonoro que foge de qualquer expectativa sobre um ex-integrante do R.E.M. Aqui, Buck é parte de um coletivo, não o centro. O som é livre, meditativo, às vezes hipnótico — e, acima de tudo, curioso.

Enquanto Arthur Buck 2 fala de canções e continuidade, Drink the Sea fala de expansão e risco. Um acolhe; o outro desafia. Ambos têm em comum o olhar curioso de Buck — o mesmo músico que, nos anos 80, ajudou a redesenhar o som da guitarra alternativa americana, agora explorando o mundo através de novos timbres e escalas. Os fãs do R.E.M. têm recebido esses projetos com carinho, reconhecendo neles a vitalidade de quem ainda tem o que dizer, sem precisar recorrer à nostalgia.

Os dois álbuns revelam um artista que envelheceu bem, sem perder o brilho. Em Arthur Buck 2, Buck reafirma sua habilidade de construir melodias com alma. Em Drink the Sea, ele se permite divagar e se arriscar. Um reafirma o compositor; o outro celebra o explorador.

“R.E.M. acabou”, dizem. Sim, acabou — mas não no sentido de fim absoluto. O que Peter Buck faz hoje é conversar com aquele mesmo espírito de curiosidade e inquietude, só que em novos idiomas musicais. Seus discos atuais não são ecos de um passado glorioso, e sim extensões dele. O fim da banda não nos deixou órfãos — porque a essência que a movia ainda vive nos que a criaram.

Ouvir Arthur Buck 2 e Drink the Sea em sequência é como atravessar um espelho: de um lado, a canção que conforta; do outro, o som que desafia. São dois caminhos de um mesmo artista que se recusa a parar. E enquanto Peter Buck continuar tocando e inventando, os fãs do R.E.M. podem relaxar — não estamos órfãos coisa nenhuma.

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