Turnstile encontra o equilíbrio entre hardcore e pop em “Never Enough”

Luis Fernando Brod
5 minutos de leitura
Turnstile. Foto: Ativa Jeferson.

Existe algo curioso em como uma banda como o Turnstile conseguiu chegar até aqui. O hardcore, por tradição, sempre foi resistente à ideia de expansão sonora, de concessões pop, de aproximação com o mainstream. Ainda assim, Never Enough, lançado em junho de 2025, consegue fazer tudo isso — e mais — sem jamais parecer um produto diluído ou moldado para agradar um novo público. Ao contrário: o disco é uma afirmação coletiva de identidade, uma obra feita com o mesmo espírito de urgência, liberdade e comunidade que sempre guiou a banda desde seus primeiros lançamentos.

Produzido por Brendan Yates (também vocalista) em parceria com Will Yip e A. G. Cook (do PC Music), o álbum já nasce com o DNA da colaboração. E isso não se limita ao processo de produção. Ao longo das faixas, o Turnstile convida nomes como Hayley Williams (Paramore) e Dev Hynes (Blood Orange) entre outros, abrindo espaço para outras vozes e camadas instrumentais. Em vez de distanciar a banda de sua base, essas parcerias ampliam o objetivo do disco sem que ele perca a urgência dos riffs ou a cadência dos gritos.

É um equilíbrio difícil de alcançar, mas o Turnstile parece saber o que está fazendo. O hardcore está presente, claro, mas agora diluído em outros elementos: batidas que remetem ao synthpop dos anos 80, linhas de baixo que não fariam feio num disco do New Order e arranjos de sopros (saxofone, flauta) que adicionam brilho e ar. Faixas como “Birds” e “Seein’ Stars” são bons exemplos disso — e não à toa são as que mais dialogam com o público fora do nicho. A primeira, com participação de Dev Hynes, remete ao soul moderno, enquanto a segunda, com Hayley Williams, soa como uma mistura bem dosada de pop alternativo e nostalgia noventista.

O curioso é que, mesmo com essas inserções, nada parece forçado. “Look Out for Me”, talvez a faixa mais expansiva do disco, flerta com o house e ainda assim soa como Turnstile. Já “I Care” e “Dreaming” trazem guitarras limpas e batidas eletrônicas, mas ainda partem do mesmo sentimento coletivo que sempre guiou a banda.

Essa abertura para outros gêneros não afasta os fãs antigos — e pode até estar fazendo o contrário. James Hetfield, vocalista do Metallica, já declarou publicamente sua admiração pela banda. O dado é simbólico: uma das maiores figuras do metal reconhecendo a potência de um grupo que começou nos circuitos de punk e hardcore de Baltimore e que, hoje, toca nos maiores festivais do mundo.

Never Enough também marca uma virada estética. A banda lançou um “álbum visual” no Festival de Tribeca, misturando imagens abstratas e performances ao vivo. Isso reforça o caráter coletivo e sensorial do projeto, que agora ultrapassa as barreiras do som e se transforma em algo mais amplo, quase performático.

A produção de A. G. Cook dá pistas dessa expansão. Conhecido por seu trabalho com Charli XCX e pela abordagem maximalista do PC Music, Cook injeta no disco uma camada eletrônica que não tenta substituir o hardcore, mas dialogar com ele. Não se trata de colocar uma banda “pesada” para soar pop, mas de entender como esses elementos podem coexistir com naturalidade.

Entre as faixas mais relevantes, além das já citadas, vale mencionar “Sole”, uma música com estrutura quase circular, que vai acumulando tensão ao longo de seus poucos minutos. “Time Is Happening” e “Ceiling”, por sua vez, funcionam mais como interlúdios do que como canções plenas — e talvez sejam os momentos mais divisivos do disco, mas que ainda assim cumprem o papel de respiro e transição dentro do fluxo geral.

Uma curiosidade interessante: boa parte das faixas do disco foi escrita durante um retiro criativo coletivo em Joshua Tree, na Califórnia. A banda ficou semanas isolada, trabalhando em loops, batidas e improvisos, até encontrar uma sonoridade que fizesse sentido. Esse método, revelado em entrevistas recentes, mostra como o Turnstile está mais preocupado em criar juntos do que em reforçar individualidades.

Com Never Enough, o Turnstile atinge algo raro: a admiração da cena punk/hardcore e a atenção do público pop, sem se sentir dividido entre dois mundos. Eles não pertencem a um ou outro — criaram o próprio espaço. E, ao que tudo indica, estão confortáveis nele.

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