Pouco mais de um ano após sua partida, nossa querida Santa Rita de Sampa nos presenteia com um livro inédito. Mais uma vez, ela consegue arrancar risadas e, por que não dizer, encher de orgulho quem teve o privilégio de compartilhar o mesmo planeta com um ser humano tão extraordinário como Rita Lee Jones.
Neste livro, Rita Lee transita entre a realidade e a ficção, revelando verdades íntimas e profundas. Tudo isso com um distanciamento crítico que, por vezes, soa como uma revisão geral de suas ideias sobre ídolos e fãs. A narrativa é conduzida por diálogos entre ela e um jovem e enigmático psicanalista alemão, que a chama de “madame” e a atende em uma misteriosa casa no Centro de São Paulo.
O vasto conhecimento de Rita e suas pesquisas detalhadas impressionam, assim como suas reflexões sobre o fenômeno contemporâneo que é o fã. Ela não apenas estudou, mas também identificou e catalogou dezenas de tipos de fãs, explorando as complexas relações entre eles e os artistas. O resultado é um catálogo meticuloso, onde alguns perfis são hilariantes, outros dramáticos, e alguns chegam ao extremo, como o perigoso e invejoso Mark Chapman. Cada tipo de fã revela um aspecto diferente dessa fascinante e, por vezes, perturbadora relação entre idolatria e criação artística.
Como em tudo o que fez, é o humor que entrelaça os diálogos e as revelações de Rita. Em plena maturidade, ela escreve com uma fluência natural e um ritmo envolvente, claramente influenciada pelas lições que a música lhe proporcionou. Rita hipnotiza o leitor de maneira rápida e fácil.
Uma curiosidade sobre o livro é a única exigência que Rita fez ao editor: “Minha única condição é que esse livro só saia depois de morta. Artista morto vale mais. Além do mais, não quero ninguém me perturbando por meras coincidências com fatos ou pessoas reais. Escritora mistério.”
Rita realiza uma análise minuciosa dos diversos tipos psicológicos de fãs e ídolos, destacando a interdependência entre eles. Ela exemplifica:
“Fã-ponta-da-língua. Artista-esquecido. Sua memória é extraordinária; lembra de coisas que nem o próprio artista sabe, e traz à tona o que ele já esqueceu.” Rita continua a apresentar outros “combos”, como o “Fã-educado. Artista-grosso”; ou o “Fã-dãã. Artista-putz”.
Cada uma dessas dezenas de categorias “fã-artista” é acompanhada por comentários, histórias, deboches e provocações repletas de episódios hilariantes, envolvendo tanto anônimos quanto famosos. Ela mistura memórias pessoais com reflexões astutas sobre essa relação que sustenta o show business.
Talvez nenhum artista brasileiro tenha se exposto de maneira tão profunda, sincera e autêntica como Rita. Ela revelou suas verdades — tanto as melhores quanto as piores — sempre com graça, leveza e uma autocrítica aguçada. Isso se torna ainda mais admirável considerando que, sendo mulher, ela enfrentou e superou os preconceitos e as pressões do patriarcado e da cultura machista, sempre saindo vitoriosa.
Do início ao fim, seus fãs foram levados a uma jornada ao seu lado, onde dançaram, riram, derramaram lágrimas e se emocionaram profundamente. Eles acreditaram no poder transformador da arte e no Amor, com A maiúsculo: amor pela família, pelas gerações futuras, pela natureza e pelos animais, pelas forças misteriosas do Universo. E, naturalmente, amor pelos seus ídolos. E pelos seus fãs.
O que mais posso dizer? Apenas leiam o livro e permitam-se saborear, talvez, a última obra da nossa eterna rainha do rock, a incomparável Santa Rita de Sampa.
#RitaVive
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