O AOR Hedonista: A trilha sonora dourada do prazer sem culpa

Imagine um cenário onde o sol se põe sobre Los Angeles, o champanhe está gelado, e um conversível branco corta a Pacific Coast Highway com os alto-falantes tocando um riff de guitarra tão brilhante quanto o estilo de vida que ele representa. Essa é a essência do Adult Oriented Rock hedonista – um gênero que transformou o rock dos anos 70 e 80 em um manifesto sonoro de luxo, desejo e escapismo. Enquanto o punk gritava contra o sistema e o new wave mergulhava na melancolia sintética, o AOR vestia um smoking sonoro e brindava aos excessos, sem pedir desculpas.

Bandas como Toto, Journey, Boston e Foreigner não apenas dominaram as paradas, mas criaram um universo onde cada nota parecia reproduzir o tilintar de copos em uma festa em Malibu. As letras eram odes à sedução – como em “Rosanna”, onde a batida suave e o saxofone sensual de Toto pintavam um retrato de amor passageiro, ou “Don’t Stop Believin’”, do Journey, que transformava a esperança em um hino para noites eternas em cidades sem nome. Até os Eagles, em “Hotel California”, mergulhavam nesse paradoxo: uma crítica disfarçada de celebração ao estilo de vida que consumia a Califórnia.

A produção era tão imaculada quanto os hotéis cinco estrelas que inspiravam suas letras. Estúdios de primeira linha, músicos de sessão virtuosos (como os integrantes do Toto, que gravaram para meio mundo antes de estourar) e arranjos meticulosos criavam um som que era, ao mesmo tempo, aconchegante e suntuoso – como um lounge de veludo num cassino de Las Vegas. Os teclados reluzentes de “Africa”, os solos de guitarra emocionantes de “More Than a Feeling” (Boston) e os vocais poderosos de Steve Perry (Journey) eram a trilha sonora perfeita para quem queria se perder em noites sem fim.

Journey. Foto: Divulgação/Facebook da banda

Mas por trás do brilho, havia uma ironia cruel. Enquanto as músicas falavam de amores ardentes e dias ensolarados, muitos desses artistas viviam os excessos que cantavam – festas intermináveis, vícios e relacionamentos tão efêmeros quanto os singles que gravavam. O AOR hedonista era, no fundo, um espelho da cultura yuppie: uma fachada dourada que escondia crises existenciais. Steely Dan, com seu jazz-rock ácido, até zombava disso em Hey Nineteen, onde um homem mais velho tenta impressionar uma garota com uísque caro, mas não consegue esconder seu vazio.

Hoje, o AOR vive um renascimento inesperado. De memes com “Africa” a samples em hip-hop, o gênero virou cult – não só por sua qualidade musical, mas por capturar um momento onde o prazer era rei, mesmo que por apenas uma noite. Bandas modernas como The Night Flight Orchestra resgatam esse espírito, provando que, no fim, todo mundo quer um pouco de aquele refrão grandioso para cantar no carro, como se a vida fosse um filme dos anos 80.

E talvez seja mesmo. Afinal, qual é o mal em apertar play e deixar “I Want to Know What Love Is” (Foreigner) tocar, enquanto você imagina que, por três minutos e meio, o mundo é só champanhe e veludo? O AOR hedonista não promete respostas – só um bom groove e um sorriso de “valeu a pena”.

E no Brasil?

Ah, sim! Se queremos falar de AOR hedonista no Brasil em sua forma mais pura – aquele soft rock brilhante, cheio de teclados reluzentes, harmonias vocais impecáveis e letras que celebram o amor, o prazer e as noites douradas –, então precisamos começar pelo Roupa Nova.

Nos primeiros álbuns, como “Roupa Nova” (1982) e “Roupa Nova 2” (1983), a banda era a resposta brasileira ao Toto e ao Air Supply, com uma produção impecável e um som que parecia feito para ser ouvido em carros conversíveis à beira-mar. “Whisky a Go-Go” era uma ode a noites de farra e sedução, enquanto “Linda Veneno” trazia aquela mistura de romantismo e desejo típica do AOR. O refrão “Eu não posso mais negar / Eu quero você” poderia facilmente estar em um hit do Journey – só que com aquele tempero brasileiro que transformava o hedonismo em algo mais suave, quase tropical.

E se o Roupa Nova era o Toto do Brasil, o Placa Luminosa era nosso Roxy Music com pitadas de AOR. O álbum “Neon” (1981) tinha uma pegada mais artística, mas ainda assim mergulhava no hedonismo com faixas como “Vendaval”, “e “Neon“, onde os teclados futuristas e o vocal suave criavam uma atmosfera de luxo e decadência. Era o AOR com um toque new wave, perfeito para quem queria curtir a noite com estilo.

Mas o Brasil tinha mais joias nesse estilo:

Diferente dos EUA, onde o AOR estava ligado ao excesso das grandes gravadoras e arenas de rock, no Brasil ele era mais glamouroso e discreto. Não eram arenas lotadas, mas sim boates chiques do Rio e de São Paulo, onde o público curtia um som sofisticado, mas ainda assim dançante. O hedonismo brasileiro era menos “champanhe e jatos” e mais “caipirinha e praia à noite” – mas não menos intenso.

Hoje, esse som vive um certo revival, com produtores e DJs garimpando essas pérolas para samples e remixes. Quem sabe o AOR brasileiro não volta à moda? Afinal, num mundo tão cinza, nada melhor do que um pouco daquele soft rock dourado para nos lembrar que, às vezes, a vida pode – e deve – ser um pouco mais glamourosa.

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