Beherit em São Paulo: Ritual sombrio celebrado em plena semana

Quinta-feira, 22 de maio: apenas mais um dia útil na corriqueira São Paulo, em uma semana em que a instabilidade climática dava lugar ao frio, trazendo dias cinzentos e chuvosos. Aquele dia era o prenúncio perfeito para a noite que estava por vir no Carioca Clube, onde a audiência veria uma das bandas de alto escalão do Black Metal: a finlandesa Beherit, uma daquelas que nunca imaginaríamos fazendo apresentações na América Latina, quem dirá em terra Brasilis.

Primeiramente, é necessário frisar algo: o cenário finlandês do metal extremo, especialmente o Black Metal, tende a ser bem mais cru, o que não significa falta de melodia nas composições de algumas dessas bandas. Além disso, comparado aos seus colegas do gênero em países vizinhos, é um meio mais livre de amarras comerciais que, por exemplo, os noruegueses tentaram não destacar no início da década de noventa em sua sonoridade, apesar de todo o barulho e as polêmicas já conhecidas.

Foto: Beherit. Crédito Maurício Silva

Quando se trata do Beherit, a crueza sonora é elevada à máxima potência, juntamente com uma atmosfera densa que completa o som. Em uma junção de riffs ora cadenciados, ora acelerados, não havia espaço para quebra de clima durante a apresentação daquela noite. O público se sentia em transe desde a abertura, com efeitos de sintetizadores ecoando pelo ambiente, seja pela intensidade sonora vinda do palco, seja pelas silhuetas verdes e azuis que cobriam em tons de obscuridade a identidade dos membros. Entretanto, o que realmente ajudou a manter esse clima foi a atitude da banda de praticar o famoso “entrou mudo, saiu calado”: nenhuma interação com o público foi feita para manter a experiência pesada e hipnotizante.

Caso você seja um marinheiro de primeira viagem lendo esta resenha, entenda que não é um gênero cujas vertentes mais obscuras se propõem a ter hits. Contudo, apenas os verdadeiros que ali estavam puderam reconhecer faixas clássicas do álbum Drawing Down The Moon (1990), que permeou a maior parte do setlist, assim como as do álbum de retorno, Engram (2009), que até o momento presente, representa ser o último e derradeiro da banda. Vale frisar que não apenas a atitude underground de não se comprometer a lançamentos constantes, como vemos na indústria de forma geral, é uma realidade com os finlandeses, mas também a de não fazerem turnês constantes, seja por questões profissionais e pessoais alheias, ou por simplesmente não caírem na moda de turnês de reunião caça-níquel, cujas bandas enganam seus fãs tirando uma grana imensurável de seus bolsos com shows estritamente burocráticos e, às vezes, sem alma e genuinidade alguma.

Os Beherit terminaram a apresentação da mesma forma que começaram: em silêncio, deixando o público sob os efeitos dos sintetizadores e o som vindo dos PA’s, tornando a experiência única do início ao fim, especialmente por ser a primeira e última vez que tocaram na América Latina — ou pelo menos até que os membros decidam voltar daqui a alguns bons anos, isso é, se decidirem. Não houve bis; a cerimônia negra já havia sido realizada e seus anfitriões cumpriram seu propósito exotérico, onde clássicos da velha guarda como The Gate Of Nanna, Nocturnal Evil, e os mais “novos” como All In Satan e Pagan Moon, que encerraram a apresentação, puderam ser finalmente apreciados.

Após o fim do show, a plateia, embora menor se comparada ao público dos shows nos países vizinhos que a banda visitou antes e longe de lotar a casa, estava mais que satisfeita com um momento muito bem aproveitado que talvez, como mencionado, não se repetirá. Assistiram a essa missa sombria de forma totalmente silenciosa, sem muitos rodeios, sejam gritos ou moshpits, que talvez seriam a realidade em shows mais coloridos com um público mais histérico e menos romantizado com a postura mais direta e introspectiva do gênero. Os membros do grupo atenderam os fãs na porta do Carioca, como é de costume por parte das bandas do underground extremo, para aqueles que dedicam suas vidas aos seus trabalhos forjados das mais vis e pútridas profundezas do inferno.

Em suma, um culto para poucos, e apenas os verdadeiros do metal extremo aproveitaram.

Autor

  • Maurício Silva

    Maurício é um rapaz que cresceu com pais músicos e sempre com um ouvido aberto e atento, desde o mais clássico até mesmo o mais extremo. Fã declarado e incondicional de Sepultura, Emperor, Alice In Chains e Dimmu Borgir.

    Ver todos os posts
  • Leia mais sobre:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *